Pedagogias, Espaços e Pesquisas Moventes nas Visualidades Contemporâneas

Organizadores

Leonardo Charréu

Marilda Oliveira de Oliveira

Vol. 10

Dados Técnicos
Capítulos

Apresentação

Para este volume da Coleção Desenredos pensamos em uma estrutura baseada em três eixos. Partimos do princípio de que as pedagogias outras, a atenção aos espaços e territórios, assim como abordagens metodológicas singulares que envolvem a educação e a arte podem se transversalizar tendo a visualidade como referente. A ideia é que os textos de cada parte funcionem como vasos comunicantes entre estes campos com matizes, por vezes, ligeiramente diferenciados. Cremos que assim instigamos o leitor a construir sentidos advindos das propostas e textos oferecidos por professores e pesquisadores oriundos de três países - Brasil, Portugal e Uruguai - e de seis instituições universitárias do espaço ibero-americano: Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal de Santa Maria, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal da Paraíba, Universidade de Évora (Portugal), e Universidad de la Republica (Uruguai). As pesquisas, desenvolvidas por pesquisadores e seus orientandos (mestrandos e doutorandos) foram publicamente apresentadas no IV Colóquio Internacional “Educação e Visualidades: Pedagogias em trânsito”, realizado na primeira semana de Setembro  de 2014 no Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria. A realização do evento foi coordenada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura (GEPAEC).

Raimundo Martins em Pedagogias críticas e pós-críticas na pesquisa em educação e arte, caracterizando a pesquisa qualitativa como espaço de luta política, localiza historicamente conceitos que fundamentam a relação entre as pedagogias críticas e pós-críticas sublinhando as influências do pós-modernismo na pesquisa em arte e na educação contemporâneas. O professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás analisa em detalhe o modo como novos agenciamentos influenciam, simultaneamente as pedagogias pós-críticas e as próprias práticas de pesquisa.

Erinaldo Nascimento, professor da Universidade Federal da Paraíba, enfatiza a contradição que se estabelece entre as pedagogias contemporâneas que promovem mudanças conceituais e metodológicas e boa parte das visões e versões sobre escola pública existentes no Brasil. Servindo-se de duas imagens sobre a escola pública, extraídas da Internet e compreendidas como visualidades produzindo significados num determinado contexto, Erinaldo faz uma análise minuciosa que evidencia uma naturalização explícita da relação da instituição escolar pública com aspectos ligados à degradação e à ruína. O autor provoca reflexão a partir da denúncia, incitando outras maneiras de ver as escolas públicas como instituições que precisam, de modo sistemático, de atenção social e política.

No texto Nem de centro, nem de borda: outros cinemas e seus fazedores, Alice Fátima Martins, professora pesquisadora da Universidade Federal de Goiás, discute o projeto de pesquisa Outros fazedores de cinema, problematizando a categoria “outros”, no contexto da discussão sobre cinema não comercial, que denomina cinema de bordas, onde ocorre uma estética da periferia. Os processos de criação desses cineastas à margem, ou das bordas, é o que a pesquisa discute e tenta compreender. O texto de Alice conclui a primeira parte do livro reforçando conceitualmente a nossa ideia de apelidar de pedagogias “outras” esta parte inicial do volume que aceitamos, com muito prazer, organizar.

O texto de Leda Guimarães, Teias investigativas de uma comunidade transaprendente, inaugura a segunda parte. Neste apartado buscamos coletar e ordenar os textos que incidem, de vários modos, sobre espaços, reais e metafóricos, e sobre as comunidades que habitam os territórios da cidade. Leda propõe um exercício de inventariar e refletir sobre teias investigativas que vem sendo tecidas em uma comunidade de sujeitos no Programa de Pós Graduação em Arte e Cultura Visual da UFG. Desenvolve o conceito de sujeitos transaprendentes tomando como referência o grupo multidisciplinar que realiza práticas pedagógicas, estéticas e culturais em espaços formais e informais. Estes sujeitos trazem temas do imaginário e do cotidiano, revisitam noções de aprendizagem e concepções de arte, cultura e patrimônio, apoiados no caráter transdisciplinar dos estudos da cultura visual.

Prácticas de intervención interdisciplinaria en el espacio urbano: fragmento urbano, espacios invisibles y cuerpos contemporáneos, é o que propõe o trabalho de Fernando Miranda da Universidad de la República, Uruguai. Ele relata o desenvolvimento de um projeto coletivo realizado na cidade de Montevidéu, a partir de situações restritivas que são utilizadas como disparadores de processos criativos. Na pesquisa o autor procura mapear, a partir do corpo contemporâneo, novas relações associadas ao olhar.

Gonzalo Vicci, também professor na Universidad de la República, no texto Imágenes y educación. Pensar los espacios expositivos como zonas de discusión, se propõe a pensar os processos de mediação alternativos em espaços expositivos, em especial aqueles relacionados às artes visuais. Desafia os conceitos tradicionais de museu e o entesouramento das produções artísticas, propondo uma movimentação do eixo de atenção da obra de arte para a experiência estética dos indivíduos, buscando, assim,  a possibilidade de questionar os discursos hegemônicos e construir visualizações e interpretações alternativas do espólio museológico.

Órbitas estéticas: visualidades, corpos e cotidianos é a proposta apresentada por Aldo Victorio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro na qual discorre sobre o corpo, a imagem visual, a diferença e suas estéticas negadas. O autor expande os seus interesses investigativos aos cotidianos escolares e urbanos e suas práticas poéticas desenvolvendo o conceito de Assuntos-universos que toma como fontes de saberes indispensáveis à atualização das práticas escolares e da ampliação alargada das práticas que considera poéticas. Esse enfoque poderia situar  o texto  de Aldo na primeira parte dedicada às pedagogias “outras”, no entanto, os contextos urbanos e o conceito de “periferização” reforçam a importância de mantê-lo  nesta segunda parte.

Judit Vidiella, professora da Universidade de Évora, Portugal, apresenta o texto Investigar con imágenes: narrativas visuales de la escuela a través de los relatos de vida de jóvenes inmigradas de los países del Sur de Asia. Neste capítulo ela discute as tensões, contradições e alternativas encontradas durante uma investigação visual narrativa sobre as trajetórias de escolarização de um grupo de jovens do sul da Ásia que receberam educação formal em Barcelona (Espanha). Através da produção colaborativa de historias de vida, é possível observar a emersão de uma tensão na relação visibilidade/representação/agência. Nesta pesquisa, a resistência à visibilidade de algumas das jovens levou as pesquisadoras a questioná-las e a explorar noções como “voz”, “representação”, “subjetividade” e “invisibilidade”.

Lutiere Dalla Valle, professor da Universidade Federal de Santa Maria, a partir de autores como Kenneth Gergen, Jerome Bruner e Max Van Manen, apresenta um texto que introduz ideias acerca da perspectiva construcionista e suas contribuições teóricas para a pesquisa no campo das artes visuais e o modo como ela permeia os mais diversos ambientes educativos, formais e informais. O texto aborda estratégias metodológicas de caráter interpretativo que permitem transitar de um tema de interesse à configuração de um projeto de pesquisa, em particular no que concerne às relações com as práticas culturais e de significação. Lutiere dá ênfase à forma como cada sujeito desenvolve aspectos constituintes de sua subjetividade, como atribui sentido às suas experiências cotidianas e suas relações com a construção do conhecimento.

Marilda Oliveira de Oliveira, professora da Universidade Federal de Santa Maria, no texto Contribuições da perspectiva metodológica “investigação baseada nas artes” e da a/r/tografia para as pesquisas em educação, detalha o campo epistemológico do construcionismo social e a noção de ‘voz’ para, posteriormente, tratar da ‘investigação baseada nas artes’, seu vínculo com a a/r/tografia e a contribuição de ambas para as pesquisas em educação. A autora procura aclarar os acrônimos, aborda a perspectiva metodológica conhecida como Arts-Based Research, (ABR) de forma mais ampla e a a/r/tografia de forma mais específica. No Brasil a ABR é conhecida como Pesquisa (ou Investigação) Baseada nas Artes, (PBA), ou Pesquisa Educacional Baseada nas Artes (PEBA), ou, ainda, Investigação Educacional Baseada nas Artes, (IEBA). Já existem bons exemplos desta abordagem metodológica em pesquisas de mestrado e de doutorado realizadas recentemente em universidades do sul do Brasil.

Com a proposta Epistemologias e metodologias de pesquisa emergentes em educação e artes: Para uma conscientização do que (nos) é possível fazer em formação avançada, Leonardo Charréu, professor da Universidade Federal de Santa Maria, disserta sobre um conjunto de preocupações e interesses que têm como pano de fundo a escolha da metodologia de pesquisa por parte do pesquisador recém ingressado em programas de formação avançados. O autor considera que a metodologia, elemento estruturante e iniludível de qualquer pesquisa, se bem escolhida, pode facilitar a elaboração de uma narrativa que acrescente algo ao território da arte-educacional. As emergentes metodologias de pesquisa baseadas nas artes, recém chegadas ao campo universitário, são posicionadas no terreno como alternativas viáveis para pesquisas que resgatem o “espírito de invenção” de que nos fala Bachelard.

Por fim, cabe à professora Irene Tourinho, da Universidade Federal de Goiás encerrar esta publicação, com o texto Metodologias-metáforas: um ensino da arte como cultura (não apenas) visual. Considerando a metodologia um campo de estudo que não é neutro e apoiando-se em Veiga-Neto, ela propõe um enfoque metodológico utilizando a ideia de metáfora que pode sempre ser vista sob um ângulo simultaneamente poético e político. Seguindo esta perspectiva, a amplitude da experiência profissional na qual se desenrolam leques diversificados de experimentações, associada ao exercício da pesquisa e de qualidades como a persistência e a paciência, concorrem para um ensino efetivo e uma metodologia eficaz no sentido de transformar esses pequenos eventos do cotidiano naquilo que Irene considera “poderosos impulsos” para a aprendizagem. Isso significa, mais uma vez, recorrer a um principio ou a uma necessidade de (recriação) invenção pedagógica para sair do engessamento de uma prática educacional ensimesmada e incapaz de responder com eficácia às novas demandas dessa vida que está na escola, mas também... fora dela.

Uma perspectiva plural é o que privilegiamos nesta publicação. Longe de prescrever esta ou aquela teoria, esta ou aquela metodologia, compartilhamos a opinião de que somos efetivamente “escolhidos” por elas nesse território movente em que se tornou o conhecimento humano neste tempo que nos tocou viver. Procuramos consubstanciar essa diversidade de posicionamentos nas “vozes” do conjunto de professores e pesquisadores que organizamos neste volume.

Ao nos reunirmos, determinados pelas circunstâncias da nossa carreira acadêmica e dos encontros inesperados que ela nos proporciona,  pegando o gancho de Irene, não podemos deixar de pensar na metáfora dos músicos de Jazz quando, habitualmente, cada um tem certa liberdade para improvisar, performatizar, dentro de um tom e a partir de uma melodia comum a todos do grupo. Para nós, não músicos, mas acadêmicos empenhados na qualidade do nosso trabalho, esses referenciais são as visualidades, os territórios sociais onde elas ocorrem e as pesquisas que se podem “inventar” para nos aproximarmos das experiências/fenômenos que buscamos compreender.

Se o conseguimos, ou não, caberá ao leitor esse julgamento.

Leonardo Charréu e Marilda Oliveira de Oliveira

Santa Maria, 3 de maio de 2015

Leonardo Charréu tem a graduação em Artes Plásticas: Pintura, pela Faculdade de Belas Artes do Porto. Mestre em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Doutor em Belas Artes pela Universidade de Barcelona e em Ciências da Educação pela Universidade de Évora. Entre 2007 e 2013 foi diretor do Mestrado em Ensino de Artes Visuais no Departamento de Pedagogia e Educação da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora. Leciona atualmente na graduação do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes e Letras e na pós-graduação em Educação, linha de pesquisa Educação e Artes, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). É pesquisador vice-líder do GEPAEC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura), onde coordena o núcleo NEPIC (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ilustração Científica). É membro colaborador  no I2ADS (Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedades, da Faculdade Belas Artes da Universidade do Porto, Portugal). Co-editor da Revista Digital do Laboratório de Artes Visuais. Investiga e escreve sobre Metodologias de Pesquisa baseadas na Arte, Cultura Visual, Ilustração e Cognição, Educação e Formação de Professores. E-mail: leonardo@gmail.com

Marilda Oliveira de Oliveira tem graduação em Cerâmica, Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais, pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestrado em Antropologia Social e Doutorado em História da Arte, ambos pela Universidad de Barcelona, Espanha. Professora Associada III do Departamento de Metodologia do Ensino onde atua no curso de Licenciatura em Artes Visuais. Docente permanente do Programa de Pós Graduação em Educação onde orienta pesquisas de Mestrado e Doutorado na Linha de Pesquisa LP4 – Educação e Artes. Líder do GEPAEC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura). Editora da Revista Digital do LAV. Membro do Conselho Editorial da Editora da UFSM. Investiga e escreve sobre leitura e escrita no campo educacional. Email: oliveira.marilda27@gmail.com

Capítulos

    Parte 1 - Pedagogias outras

  1. Pedagogias críticas e pós-críticas na pesquisa em educação e arte

    Raimundo Martins

  2. Pedagogias em trânsito e a imobilidade das narrativas visuais sobre a escola pública

    Erinaldo Alves do Nascimento

  3. Nem de centro, nem de borda: outros cinemas e seus fazedores

    Alice Fátima Martins

  4. Parte 2 - Território(s), comunidade(s) e visualidade(s)

  5. Teias Investigativas de uma comunidade transaprendente

    Leda Guimarães

  6. Prácticas de intervención interdisciplinaria en el espacio urbano: fragmento urbano, espacios invisibles y cuerpos contemporáneos.

    Fernando Miranda

  7. Imágenes y educación. Pensar los espacios expositivos como zonas de discusión

    Gonzalo Vicci

  8. Órbitas estéticas: visualidades, corpos e cotidianos

    Aldo Victorio Filho

  9. Investigar con imágenes: narrativas visuales de la escuela a través de los relatos de vida de jóvenes inmigradas de los países del Sur de Asia

    Judit Vidiella

  10. Parte 3 - Metodologias nômades

  11. De um tema a um problema de Pesquisa: Implicações a partir da perspectiva construcionista para a investigação no campo da educação das artes visuais.

    Lutiere Dalla Valle

  12. Contribuições da perspectiva metodológica “investigação baseada nas artes” e da a/r/tografia para as pesquisas em educação

    Marilda Oliveira de Oliveira

  13. Epistemologias e metodologias de pesquisa emergentes em educação e artes: Para uma conscientização do que (nos) é possível fazer em formação avançada.

    Leonardo Charréu

  14. Metodologias-metáforas: um ensino da arte como cultura (não apenas) visual

    Irene Tourinho