Pedagogias em trânsito e a imobilidade das narrativas visuais sobre a escola pública

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Pedagogias em trânsito e a imobilidade das narrativas visuais sobre a escola pública

Erinaldo Alves do Nascimento

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Quando se fala em pedagogias em trânsito, faz-se necessário questionar alguns motivos dessas transições e, a um só tempo, problematizar a persistência ou continuidade de práticas discursivas e não discursivas do passado que persistem no presente a respeito da escola pública no Brasil. A contradição é que, enquanto as pedagogias, destinadas a potencializar o sistema educativo, são provocadas, constantemente, à mudança conceitual e metodológica, uma boa parte das visões e versões sobre a escola pública no Brasil parece bem resistentes e renitentes.

Usando outros termos, é possível afirmar que as pedagogias transitam, sem muitos obstáculos, para atender às demandas e necessidades educacionais, enquanto que as maneiras de ver, pensar e problematizar as escolas públicas no Brasil são pouco ou lentamente transitáveis. É possível identificar a mobilidade das pedagogias nas diversas propostas, sistematizadas como ideias novas, surgidas em resposta às necessidades detectadas nos diversos momentos históricos. Tais propostas fazem parte de um jogo das relações entre saber e poder, bem como na alternância entre “lembrar” e “esquecer”, empreendidas no “campo intelectual” do sistema educativo.

É notória a quantidade de propostas pedagógicas e educacionais, destinadas para operar mudanças no sistema escolar, que foram escritas e discursadas por vários especialistas ao longo da história da educação e do Ensino de Arte no Brasil. São tantas que seria até difícil listá-las sob pena de gerar graves e questionáveis esquecimentos.

Entretanto, é possível constatar uma intencional lentidão no trânsito discursivo e cultural sobre a maneira de pensar e problematizar a escola pública no Brasil. Isso pode ser detectado, entre outras possibilidades, observando e analisando uma quantidade significativa de imagens que circulam nas diversas instâncias da sociedade, tanto no campo presencial como no virtual, como pretendemos demonstrar mais adiante a partir de dois exemplos.

Algumas perguntas podem ser elaboradas em decorrência dessas constatações e que dão sentido à reflexão que trazemos aqui: Por que algumas pedagogias transitam? Como essas transições pedagógicas podem ser articuladas com as relações de saber e de poder? Como algumas visualidades, que circulam no facebook, mostram um “imobilismo” nos discursos sobre a escola pública no Brasil?

Para exemplificar o “congestionamento” no trânsito interpretativo a partir de imagens que circulam no facebook, com a temática da escola pública no Brasil, recorreremos a outra pesquisa, que ainda está em fase de conclusão. A investigação mencionada foi realizada com uma turma de mestrandos e demais estudantes da disciplina Cultura Visual: as visualidades no Ensino das Artes Visuais, no período 2013.1, sob a responsabilidade do prof. Dr. Erinaldo Alves do Nascimento, no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, promovido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Poderemos intitulá-la de “A escola pública nas visualidades do Facebook”.

A pesquisa teve por finalidade analisar imagens que exploram a temática da escola pública no Brasil, compreendidas como visualidades. As escolhas foram feitas e “capturadas” a partir da rede social, denominada de Facebook, que é considerada uma das mais populares do país. Cada estudante, a partir de sua imersão nesta rede social, foi provocado a escolher e analisar uma imagem sobre a escola pública. Deveria escolher a que julgasse mais representativa e significativa em relação ao tema enfocado.

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As imagens, após selecionadas pelos pós-graduandos, foram apresentadas em sala de aula, com a finalidade de compartilhar, justificar a escolha e as pretensões de análise. Este processo foi bem interessante porque gerou outras possibilidades interpretativas. Neste texto, recorremos apenas a duas imagens – um cartun autoral e uma fotomontagem anônima.

Ao analisar as imagens selecionadas, pretende-se esboçar uma reflexão introdutória sobre como é construida a ideia de escola pública no Brasil a partir de imagens da web, que circulam no facebook.  É uma tentativa de “compreender o que se representa na produção visual para questionar as próprias representações” (NASCIMENTO, 2008, p. 49).  Colabora, ainda, para pensar em quais condições se encontra a Escola Pública no Brasil, compreendendo que  a visualidade está imbrincada com as relações de saber e de poder, com fatores conjunturais e com os repertórios culturais construídos historicamente na sociedade.

A intenção, ao recorrer as imagens que circulam no facebook, é tentar evidenciar como a escola pública está imersa numa teia discursiva, demarcada por uma tentativa de naturalização, proveniente do passado. Trata-se de uma pretensa visão e versão que continua relacionando a escola pública com o descaso, a pobreza, a omissão, a corrupção e a má qualidade.   

As pedagogias e os trânsitos

As mudanças afetam a vida humana, abrangendo as relações profissionais e, em decorrência, a atuação de especialistas na elaboração de teorias educacionais e pedagógicas. Por integrar um “campo intelectual”, fomentador de ideias novas, os discursos especializados relacionados com os sistemas educativos desenvolvem-se e se modificam, provocando trânsitos nas diferentes pedagogias (BERSTEIN, 2001).

As diferentes pedagogias, nos diversos campos de conhecimento, mudam, principalmente, porque atendem às mudanças culturais e sociais, potencializando e incitando alterações nos modos de ver, pensar, dizer e agir.  Neste aspecto, é importante ressaltar que...

...uma mudança não ocorre por acaso ou porque alguém, simplesmente, tenha resolvido alterar o rumo da sua vida ou da sua área de atuação profissional. Uma mudança não significa, tão somente continuidades, mas aponta, também, para descontinuidades e rupturas. Mudanças são lentas, coletivas e conjunturais. Ocorrem porque “uma cultura deixa de pensar como fizera até então e se põe a pensar outra coisa e de outro modo" (FOUCAULT, 1992, p. 65).

Concordando com o raciocínio adotado por Náder (2004), a distinção entre descontinuidade e ruptura é que a ruptura interrompe uma continuidade pré-existente e provavelmente será sucedida por uma nova continuidade; no caso da descontinuidade, nada pode ser afirmado a respeito da situação precedente e muito menos inferido sobre o estágio vindouro.

As mudanças culturais também podem ser relacionadas com as alterações nas “épocas”, afetando temas, tarefas, necessidades e valores. Nessa direção, as pedagogias transitam para se coadunarem com o que se julga relevante ou “verdadeiro” em cada momento histórico. A esse respeito, pode-se afirmar:

...uma época se realiza na mesma proporção em que seus temas são captados e suas tarefas realizadas. Uma época está superada quando seus temas e suas tarefas não respondem às novas necessidades que vão surgindo. Realmente, o que caracteriza a passagem de uma época para a outra é o fato de que aparecem novos valores que se opõem aos de ontem (FREIRE, 1980, p 39).

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Depreende-se, então, que cada época ou momento cultural, formula discursos e normatizações correlatas com seus valores e problemas. Variam de acordo com a condicionalidade do visível e do dizível de cada momento. Significa, ainda, que os projetos educativos e as propostas pedagógicas, em cada época, são modalidades de construções sociais estabelecidas e submetidas pelas relações de poder e de saber.

O trânsito constante das pedagogias demarca as relações que surgem a partir das produções do discurso educativo e de suas práticas. Os trânsitos pedagógicos abrangem também os princípios de apropriação e de descontextualização, ou seja, as mudanças operadas a partir de deslocamentos e recolocações, referentes a outros textos relacionados com os diversos campos de conhecimento (BERSTEIN, 2001).

Neste aspecto, as pedagogias também transitam para se ajustarem às especificidades de cada campo de conhecimento e aos enfoques propostos pelos seus intelectuais. Impressiona que, a despeito das várias tentativas de inovação pedagógica, pouco se conseguiu modificar a visão geral que se tem da escola pública no Brasil.

Enquanto as pedagogias são provocadas constantemente para a mudança, as visões e versões sobre a escola pública no Brasil, em geral, permanecem vinculadas à pobreza, ao descrédito, ao descaso e à desqualificação. Trata-se da persistência de um discurso que obstrui um investimento efetivo e estratégico em uma instituição educacional fundamental para a democratização de saberes e de oportunidades a partir de problematizações que gerem a necessidade de se continuar aprendendo. 

A partir deste momento, veremos como duas imagens que circulam no facebook, mostram e tratam a escola ou o ensino público. Poderíamos fazer uma demonstração de como estas visões, podem ser encontradas em muitas outras. Contudo, os limites deste texto só permitem a exemplificação com duas imagens.

Veremos como as imagens selecionadas conseguem materializar um discurso de como a escola pública continua sendo vista e pensada no contexto brasileiro. A proposta é destacar um “discurso naturalizante”, que a associa à população carente de recursos financeiros. Em razão disso, o sistema educacional público é comumente exposto por meio de um discurso que, em geral, o associa a um lugar sem atrativos suficientes para ganhar a confiabilidade de toda a população brasileira, independente de sua classe social.

A persistência desta visão, que associa a escola pública com o descaso e a omissão, que costuma ser tida como “verdadeira”, pode ser relacionada com a década de 1930, momento no qual surgiu o que alguns estudiosos denominam de escola de massa ou de um sistema público educacional. Trata-se de uma tentativa estatal de ampliação do acesso das vagas à educação formal de toda a população brasileira. Antes disso, a instituição escolar atendia a pequenos e retritos grupos (SAVIANI, 2008).

Escancarar este discurso é uma maneira de chamar a atenção para um passado que precisa ficar no passado. Compreendemos a escola pública como uma instituição educacional fundamental para o desenvolvimento social, cultural e econômico do nosso país. Vemo-la como um lugar público com potencialidade e politicamente estratégica para atender a todas as pessoas, com qualidade e sem qualquer tipo de discriminação. Sonhamos com o momento no qual a escola pública será desejada pelos ricos, fucionários públicos de diferentes setores e por toda a população como uma ins

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Reforma Ortográfica ou Reforma Educacional?

Fig. 1 - Cartum reforma ortográfica. Fonte: blogonardo.blogspot.com.br Acesso em 12 abr. 2013

O cartum, de autoria não identificada - intitulado “Reforma Ortográfica” - circula em diversos sites ligados ao tema de educação e de língua portuguesa. Mostra uma sala de aula em condições precárias. Na sala, estão carteiras quebradas, quadro negro danificado, teto com rachaduras, buraco, lâmpada dependurada e fiação elétrica aparente. As paredes da sala estão descascadas e desgastadas. Abaixo, do lado direito, há um pequeno buraco, que aparenta ser o esconderijo de um rato ou de outro bicho.

A professora está em pé, na frente dos estudantes, e aponta para um quadro com uma régua ou pedaço de madeira. No quadro, está escrito a seguinte frase: “é frequente o descaso com o ensino público!”. O rosto da professora aparenta estresse e cansaço. Os olhos esbugalhados e as olheiras ajudam a denunciar o seu estado emocional. Seu jaleco ou avental parece estar bastante usado, junto com a roupa e sapatos, compondo um figurino envelhecido. Ela está posicionada à frente da sala e ao lado, um pouco atrás do seu birô, cuja cadeira é proporcionalmente maior que as outras. O “balão”, bastante usado em histórias em quadrinhos, indica que a professora faz um pergunta aos alunos que estão sentados em fileiras, apontando para o quadro e dizendo: “o que mudou nessa frase?”

A pergunta parece fazer alusão à reforma ortográfica, realizada após o acordo entre os países da língua portuguesa, em 2009. O título “reforma ortográfica”, acima da imagem reforça este entendimento. Um dos alunos, que se encontra no canto esquerdo do observador, responde à pergunta, sem atentar para a maneira de escrever a frase, mas para o seu sentido. Esta diferença interpretativa traz à tona a ironia do cartun e uma provocação sobre o ensino público, dizendo: Nada!

O cartum, ao reafirmar o descaso com a educação pública no Brasil, denuncia uma situação e um discurso que parecem naturalizados ou tidos como “verdadeiros pela sociedade e pelos governantes. Associar a escola pública brasileira como um ambiente pobre faz parte de uma prática discursiva e não-discursiva amplamente difundidas e que persiste em não transitar. Associar a escola pública à classe economicamente empobrecida da sociedade reforça um preconceito historicamente vivenciado no ambiente da educação pública.

Esta imagem também reproduz as condições, entranhadas pelo passado, das relações que são mantidas em sala de aula, as quais independem de classe social, posição econômica e etnia. A professora, posicionada à frente da sala, e os alunos dispostos em fileiras ilustra um posicionamento estanque e hierarquizado. São modalidades de relações de saber e de poder que perpassam o ensino público e o privado.

O sistema escolar, em geral, encontra-se em crise porque não consegue romper com hierarquias herdadas do passado. Os problemas se agravam quando não se propõem novas formas de aprender e de ensinar, junto com um investimento efetivo e prioritário na educação. Esta ineficiência é também percebida no abismo provocado pela educação formal, ao manter a distância e negligenciar as diferentes maneiras de aprender na educação informal.

Este cartum provoca, ao menos, duas questões: por que continuamos associando a escola pública no Brasil ao descuido, ao abandono e à pobreza? A quem interessa a manutenção de uma visão que associa qualquer escola, financiada por verba pública no Brasil, como fracassada, arruinada ou ultrapassada?

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Ao levantar estas perguntas, é possível propor algumas reflexões. A primeira envolve a história da educação pública brasileira. As concepções que associam a escola pública como um local de fracasso educacional, como demonstra o cartun, de forma irônica e humorística, foram construídas durante uma longa trajetória histórica e social do país.

Em cada época, segundo Forgiarini e Silva (2013), buscou-se explicações diferentes para o fracasso da escola pública. Sem a pretensão de fazer uma análise minuciosa, apenas a de apontar alguns exemplos, no final da monarquia e início da República, teorias apontavam que as dificuldades de aprendizagem dos alunos eram as causas do insucesso escolar. Na década de 1970, as teorias atribuíram à carência cultural dos alunos e à incompetência técnica dos professores o fator decisivo para o fraco desempenho escolar. Nos anos de 1990, a responsabilidade passou a ser a má qualificação profissional dos professores.  Atualmente, aliado ao despreparo profissional do professorado, aponta-se a desigualdade social, a concentração de renda, a falta de uma política pública adequada, as relações de poder que se estabelecem dentro da escola e em outros ambientes educacionais, como os principais fatores que contribuem para a manutenção da escola pública brasileira relacionada com a decadência e descaso.

O cartum, em destaque, também pode ser relacionado com o filme Pro Dia Nascer Feliz, produzidoem 2006, por João Jardim. O filme aborda a realidade de três escolas públicas e uma privada, em diferentes capitais do nordeste e sudeste do Brasil. O documentário provoca reflexões sobre os desafios da educação brasileira. As escolas públicas, enfocadas no filme, são semelhantes à visão mostrada no cartun, comprovando como esse discurso se dispersa em diferentes versões. As escolas, no filme, também são descuidadas, abandonadas, contrastando com a escola privada.

De forma sutil, o filme também mostra que, em meio às adversidades de cada escola pública, com seus problemas econômicos e sociais, alguns estudantes esforçam-se para conseguir mudar a realidade. Em outro momento do filme, enfatiza-se a responsabilidade que é dada, atualmente, ao professor pela má formação do alunado. A fala da professora, da escola Estadual Piratininga II, do interior de São Paulo, revela o lado humano do profissional: “ser professor e estar envolvido com a prática. É uma carga física e mental muito grande... Eu faço terapia uma vez no mês... Você se envolve com os problemas deles.” Esta fala pode ser associada à “aparência doente” da professora mostrada no cartum.

O documentário também cita uma pesquisa do Ministério da Educação, realizada em 2004, a qual afirma que metade dos estudantes do ensino fundamental no Brasil não sabe ler e escrever corretamente. Existiam 210 mil escolas no país, sendo que 13,7 mil não possuíam banheiro e 1,9 mil não tinham água. Os dados trazidos pelo filme problematizam a situação da educação brasileira e, consequentemente, da escola pública.  

Os conflitos vividos na educação podem ser vistos com reflexos da complexa sociedade que vivemos, com famílias desestruturadas e desorientadas, professores desvalorizados, violência em diversos ambientes sociais, sistema educacional defasado e descaso histórico das políticas públicas adotadas por governantes. Os motivos de uma visão de escola pública associada com o descaso são atribuídos aos professores, que culpam a sociedade, que penalizam os alunos. Esta lógica continua a gerar e a reproduzir um discurso do fracasso escolar da rede pública brasileira, provocando uma inevitável descrença na sociedade. Interromper este ciclo é necessário e imprescindível.

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A escola precisa ser urgentemente reinventada, associando-a uma versão discursiva que a relacione ao sucesso, à beleza, à riqueza, servindo a todos indiscriminadamente, culminando em políticas públicas condizentes e de qualidade.  A esperança é que possamos ver, o mais breve possível, um cartun que registre “é frequente a prioridade dada ao ensino público”.

As omissões na falência da escola pública brasileira.

Figura 2 - Fonte: www.facebook.com . Acesso 10 maio 2013.

A imagem selecionada foi Postada no Facebook, na página “A educação é a arma para mudar o mundo”. Entre o dia 12 de julho de 2012 até 04 de junho de 2013, esta imagem teve 6.840 compartilhamentos, feitos por 567 pessoas, com 52 comentários sobre o tema. Trata-se de uma fotomontagem que apresenta, ao fundo, um quadro verde com uma casca de banana apoiada na sua moldura com o seguinte questionamento: “Quem é o responsável pela falência da Educação Publica?”. O texto está escrito no quadro com letras brancas, parecendo que foi feito com giz. Em frente ao quadro verde, vemos três macacos vestidos com becas pretas, lembrando as “togas” usadas pelos juízes.

O macaco da esquerda tapa os ouvidos e traz, na frente da sua roupa, a inscrição “governo” em letras maiúsculas. O animal do meio fecha os olhos com as mãos e traz uma pergunta: “justiça cega?”; A pergunta está escrita com letras minúsculas. O animal da direita tapa a boca com a mão esquerda e traz, abaixo, a pergunta, também em letras minúsculas: “Imprensa muda?”

Os macaquinhos e suas atitudes enfatizadas pelo cartun remetem aos “Três Macacos Sábios”, que ilustram a porta do Estábulo Sagrado, no Santuário Toshougu, um templo do século XVII, localizado na cidade de Nikko, no Japão. Sua origem é baseada em um trocadilho japonês. Seus nomes são “mizaru” (o que cobre os olhos), “kikazaru” (o que tapa os ouvidos) e “iwazaru” (o que tampa a boca). 

O folclore japonês diz que a imagem dos macacos foi trazida por um monge budista chinês, no século VII. O provérbio “não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal” é chamado no Japão de “regra de ouro”. Compõe um dos ensinamentos que ajudam a promover a harmonia entre as pessoas: “não faça aos outros, o que não gostaria que fizessem a você” .

É bem visível que a imagem reforça a persistência de uma prática discursiva que associa a Educação Pública no Brasil à omissão dos principais poderes constituídos: governo, imprensa e justiça. Está bastante explícito que a imagem questiona quem são os responsáveis por essa situação. Esta imagem, junto com outras, também envolvendo a escola pública brasileira, compõe um discurso paralelo que molda a maneira de pensar e agir das autoridades políticas e da população brasileira em geral.

A imagem, ao difundir um provérbio da cultura japonesa, reforça um discurso amplamente veiculado no Brasil: que a educação pública é falida e marcada pela omissão de órgãos públicos e midiáticos. A falência, enfatizada pela imagem que representa o poder executivo, envolve a falta de prioridade do governo, especialmente por não ouvir a sociedade. O poder judiciário, que se proclama cego, mas é acusado, em alguns casos, de julgar favorecendo determinados segmentos da sociedade, parece ser omisso aos descasos e à falência do sistema educacional, mesmo contrariando o que está previsto na educação brasileira. Os canais midiáticos, demarcados por interesses políticos e partidários, que pode colaborar ao denunciar ou dar voz ao descaso com que é tratado o ensino público, prefere calar.

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A imagem evidencia descaradamente a omissão destes três condutos de poder e de saber, os quais tem a missão social e constitucional de ajudar a garantir e a viabilizar uma educação pública de qualidade. Pode-se dizer que é uma imagem que alerta sobre os problemas de se manter a sociedade sem uma educação pública, que sirva aos interesses e necessidades da comunidade. Os poderes representados são instigados a cumprir com a sua missão: governar, julgar e denunciar em prol da escola pública brasileira.

O quadro, que em algumas escolas é negro, em outras verde ou branco, continua sendo o principal instrumento de trabalho do professor. Diz-se que este instrumento didático, como também o giz colorido, foi inventado pelo escocês, James Pillans (1778-1864) para dar aulas de geografia (BUARQUE, 2008). Isto é mais uma prova de como as escolas estão arraigadas ao passado.

O quadro está associado a uma visão de aula tradicional, na qual o professor é o único detentor do conhecimento. Vê-se também que, na sociedade da tecnologia, muitos instrumentos que poderiam favorecer ao aprendizado são negados aos estudantes da escola pública. Além do atraso educativo, há a “lerdeza” informacional, que traz prejuízos a uma parte da população, tanto para ingressar no Ensino Superior, quanto no mercado de trabalho.

A falta de acesso aos instrumentos midiáticos corrobora para a manutenção de profissões com baixos salários, com uma qualidade de vida bastante limitada, com precárias condições de moradia e de tratamento de saúde, entre outros. Uma parcela da população, em razão da baixa renda, não tem direito a muitos serviços de qualidade, como programas educacionais, culturais e de lazer.

Em relação à vestimenta dos macacos, a toga começou a ser usada na Roma Antiga como símbolo da magistratura. Ainda que becas e togas sejam parecidas e, mesmo que os dois dicionários básicos da língua portuguesa – Houaiss e Aurélio – afirmem que são palavras sinônimas, para os juristas há uma diferença primordial: só os juízes usam togas. Os advogados utilizam becas. O Estatuto da Advocacia - Lei 8.906/1944 - afirma que é direito do advogado “usar os símbolos privativos da profissão de advogado”, sem fazer referência específica à beca (OLIVEIRA, 2012).

Neste caso, o vestuário dos três macacos representados na imagem indicam tradição e respeitabilidade. Infere-se também que não se pode contradizer ou contrariar uma decisão avaliada pelas três instâncias do poder. A toga representa uma elite, os que têm acesso às leis, o conhecimento sobre o direito, aos que têm o poder da oratória, dos que representam e falam pelo povo. Simula-se, deste modo, que se o poder executivo e judiciário não fazem o seu papel social, tampouco são denunciados pela imprensa em suas diferentes instâncias midiáticas, não há expectativa de mudança e se desmotiva a luta por uma transformação da educação pública.

Quanto à casca de banana, posta na moldura do quadro verde, pode aludir, dentre outras possibilidades, que a Educação Pública faz parte de um jogo de saber e de poder “escorregadio”. Um jogo que finge que esse tipo de ensino é prioritário, mas que, a negligência e a omissão preponderam. Em geral, deixam para a escola e para o professor o papel de minimizar as dificuldades que envolvem o Ensino Público no Brasil. A fotomontagem tenta, ao fazer a crítica, colocar a educação em evidência, tentando evitar que a falência seja posta em pauta para que se possa mudar a maneira de vê-la e de valorizá-la. A atuação desses três setores da sociedade, envolvidos em prol da valorização e da qualificação da escola pública, é basilar para a mudança que a sociedade tanto precisa ver e acreditar.

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Considerações finais

As imagens sobre a escola pública evidenciam um discurso renitente e persistente que a associa com descaso e falência. Ao escolher as imagens em foco, o interesse não residiu em pronunciar as “verdades ou mensagens ocultas”, mas as que estão visíveis e bem evidentes. Optamos pelas interpretações que, justamente por estarmos acostumados com elas, não as percebemos porque foram ou estão sendo culturalmente “naturalizadas” ou “normalizadas” como padrões de pensamentos a serem seguidos.

As imagens, como uma modalidade da dispersão do discurso, são produzidas, divulgadas e interpretadas totalmente relacionadas com relações de saber e de poder. As imagens sobre a escola pública são modalidades de pensamentos que se materializam como prática social. Essas imagens circulam no campo social e se relacionam, de acordo com as conveniências e contingências, podendo servir tanto às estratégias de dominação quanto de resistência ou recusa.

Denunciamos essas imagens sobre a escola pública para, ao evidenciar a sua “naturalização” relacionada com o descaso e com a omissão, tentar instigar o questionamento e a desconfiança para podermos pensar e agir de outra maneira.  A pretensão é provocar a resistência, incitando que existem outras possibilidades de interpretar e de atuar socialmente. A escola pública precisa ser vista, urgentemente, de modo diferente. A quem interessa a manutenção deste tipo de visão?

Relacionar a escola pública, no Brasil, com o sucesso e a qualidade é a mudança que precisa acontecer. Precisamos reivindicar que isso aconteça, demonstrando que conhecemos o discurso reinante. Faz-se necessário vê-la de modo diferente e exigir que seja tratada como uma efetiva prioridade. Pensamento inclusivo e ação transparente são os ingredientes para a mudança. Desejamos, imensamente, analisar imagens que registrem a educação pública como um lugar para todos, prazeroso, eficaz e de sucesso.   Reitera-se, portanto, o que disse Albuquerque Jr. (2001, p. 311): “deve-se sempre libertar as imagens e enunciados do passado, os temas que o constituíram, os conceitos que o interpretaram, de seu sentido óbvio, problematizando-os”.

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Referências

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. 2ª ed.  A invenção do Nordeste e outras artes.  São Paulo: Cortez, 2001.

BERSTEIN, B.  La estructura del discurso pedagógico.4ª ed.  Madrid: Morata/Paidéia, 2001.

BUARQUE, Cristovam. Formação e invenção do professor no século XXI. Fevereiro 2008. Disponível em: www.cristovam.org.br . Acesso em 19/04/2013.

FORGIARINI, Solange Aparecida Bianchini; SILVA, João Carlos da. Escola pública: fracasso escolar numa perspectiva histórica, 2007. Disponível em: www.diaadiaeducacao.pr.gov.br . Acesso em 22/06/2013.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

FREIRE, Paulo.  Conscientização.  3ª ed. São Paulo: Moraes, 1980.

Mizaru, Kikazaru e Iwazaru: A origem dos três macacos sábios (Sanzarun). Disponível em: www.japaoemfoco.com . Acesso em 28/06/2013.

NÁDER, Alexandre Antônio Gili.  Tempo e conhecimento: dialética da duração e fundamentos da narrativa para uma história de tempo recente|presente (1965-2002) da educação superior brasileira. Recife, 2004, Tese (Doutorado em História), Universidade Federal de Pernambuco.

NASCIMENTO, Erinaldo Alves do. Representações da infância em imagens na contemporaneidade: desafios para a educação e para o ensino das Artes Visuais. In: FARIAS, Maria Salete Barbosa; WEBER, Silke (Orgs.). Pesquisas qualitativas nas ciências sociais e na educação: Propostas da análise do discurso. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.

OLIVEIRA, Mariana. OLIVEIRA, Mariana. Histórias de togas e becas alimentam folclore de tribunais. Disponível em: g1.globo.com . 2012. Acesso em 28/06/2013.

PRO DIA NASCER FELIZ. Direção: João Jardim. Produção: Flávio R. Tambellini e JoRão Jardim. Ravina Filmes/Fogo Azul Filmes – Brasil, 2006. 1 DVD (88min), color.

SAVIANI, Dermeval.  História da história da educação no brasil: um balanço prévio e necessário, 2008. In: www.uninove.br . Acesso em: 17 nov. 2014

Erinaldo Nascimento é licenciado em Educação artística pela universidade Federal do Rio Grande do Norte,. Mestre em biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba e doutor em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de S. Paulo. Professor do Departamento de Artes Visuais e coordenador do grupo de pesquisa em Ensino de Artes Visuais da UFPB. E-mail: erinaldoalves2011@gmail.com