Teias Investigativas de uma comunidade transaprendente

Página 29

4

Teias Investigativas de uma comunidade transaprendente

Leda Guimarães

Página 30

Quero falar de desejos e empreitadas investigativas no exercício de orientação de mestrandos e mais recentemente de doutorandos no Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais da UFG. Sou arte educadora, trabalhando no campo das artes visuais com formação de professores e busco fazer desse processo de formação algo a mais do que uma preparação para o desempenho de uma profissão, embora não perca de vista este objetivo.

Algumas pedras no caminho: a burocracia cada vez mais exaustiva, os protocolos endurecidos no lugar de rituais, a prestação de contas mais valorizadas do que a experiência, a mercantilização das nossas almas professorais, a padronização, a falta de tempo para as conversas e trocas, as doenças, as paranóias, etc. Todo esse conjunto tem criado uma universidade ugolina , aquela que devora seus próprios filhos. Por outro lado, a universidade é o espaço onde passamos boa parte de nossas vidas, onde militamos por uma formação plural e humanística para nossos alunos, onde estudantes de procedências distintas vem em busca de um projeto de vida. Portanto, não vou falar de pedras e sim de teias, de situações vivenciadas no exercício de construir-me orientadora enquanto "oriento" e aprendo com os diferentes sujeitos e seus processos. Quero falar de encontros. De tessituras conjuntas. A ideia de teias me serve fio condutor para colocar as duas principais idéias deste texto: reconhecer uma comunidade (trans)aprendentes que se constrói em teias investigativas em artes visuais. A segunda é desvelar, a medida em que descrevo, como essas teias desenham arranjos metodológicos e conceituais, bem como arranjos artísticos, estéticos e culturais.

Uma comunidade de aprendentes

Transaprendente é um termo utilizado por Alexandre Guimarães em sua dissertação de mestrado. Segundo o autor, o termo "remete a uma aglutinação entre as expressões trans e aprendentes (...) para designar aqueles atores que vivem/experienciam os processos da aprendizagem nestes espaços flutuantes, escorregadios e instáveis dos ambientes virtuais"(2010, p.18). Ou seja, estou reconhecendo a mim e às pessoas que compartilham(ram) seus projetos de pesquisa, tendo a mim como orientadora, como uma "comunidade" que tem essas características. Não tem nome nem título, não tem lugar fixo, nem sala determinada. Comunidade como um lugar de afetos, onde nos relacionamos com pessoas com quem dividimos conflitos, alegrias, maravilhamentos e crenças, ou mesmo descrenças. Essa é uma comunidade como muitas outras, mas ao narrá-la  torno-a especial, reavivando memórias, afetos e construções dessa comunidade que tem se "reunido" sob o guarda-chuva da pesquisa qualitativa, uma vez que esta envolve "um conjunto de práticas materiais e interpretativas que fazem o mundo visível. (DENZIN & LINCOLN, 2003, p. 4).

Uma comunidade formada por professores, professores-designers, professores- ativadores culturais, professores-artistas, professoras-professoras. Barbosa (2005, p.12) ao se referir à Freire e a Eisner ressalta que os dois educadores consideram a educação [...]mediatizada pelo mundo em que se vive, formatada pela cultura, influenciada pelas linguagens, impactada por crenças, clarificada pela necessidade, afetada por valores e moderada pela individualidade". Assim, essa comunidade tece significados que  entrelaçam formas / conteúdos, processos / resultados / perguntas / respostas, pesquisadores / colaboradores,arte / vida/ docência / investigação.

Para conhecer um pouco dessa comunidade, farei uma espécie de inventário das pesquisas já realizadas e aquelas ainda em andamento. Inventário pode ter o significado de arrolamento de bens de uma pessoa, de um grupo ou mesmo dos aspectos de uma cultura. Geralmente se faz em nome do conhecimento, preservação ou compartilhamento. Nesse caso, o ato de inventariar me serve para dar visibilidade a esse conjunto de pessoas e seus desejos investigativos avivando temas, caminhos, percepções e processos em uma escrita rememorativa. Ou seja: o inventário aqui tem o propósito de ajudar quem nos lê a compreender melhor quem está ligado a essa comunidade e como as experiências docentes investigativas foram e continuam sendo tecidas.

Página 31

Espero que novos arranjos de significados aflorem da leitura, que esta seja mais do que uma mera listagem ou descrição de trabalhos de pós-graduação. Adotei uma ordem cronológica, começando com as primeiras estudantes de mestrado, quando eu, iniciante no programa de pós graduação, aprendia ali os "os ossos do ofício" de orientar de forma mais prolongada e sistematizada do que os antigos projetos de Trabalho de Conclusão de Curso e de Iniciação Científica, acontecidos antes do meu doutorado. Vale ressaltar a importância deste percurso anterior e que também fazem parte dessa teia investigativa. Já fiz menção a estes projetos em outros lugares, mas no presente texto o esforço é ver o conjunto da pós-graduação em Arte e Cultura Visual da UFG.

Era um, era dois...era três...

Começo com Najla Fouad Saghié, egressa de uma graduação em Letras, que trás para a pós graduação em Cultura Visual a proposta de investigar o aprendizagem da língua inglesa a partir do estudo de imagens de propaganda como instrumento de compreensão dos estrangeirismos. Apesar de Najla não ter vindo da Licenciatura em Artes Visuais, sua proposta me interessava pois lidava com imagens de publicidade, o dialogando de perto com minha recém finalizada tese de doutorado, que discutia a questãop da estética do popular em suas múltiplas formas de expressão visual. Nas interações entre orientanda e orientadora, as propagandas com palavras estrangeiras encontradas em espaço público e feitas de forma vernacular também entraram no corpus das imagens a serem analisadas e a serem trabalhadas com um grupo de crianças em uma escola de inglês. Essa pesquisa resultou na dissertação "O ENSINO / APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA NA PERSPECTIVA DA CULTURA VISUAL". (SAGHIÉ, 2008).

Junto com a Najla, chega também Ivaina Oliveira, formada em Licenciatura Plena em Educação Artística e professora da rede Estadual de Educação de Goiás. Seu projeto dialogava diretamente com as questões multiculturais para o ensino da arte com as quais eu vinha lidando naquele momento. O trabalho intitulado "A (IN)VISIBILIDADE DA CULTURA NEGRA AFRICANA NO ENSINO DE ARTES VISUAIS" (OLIVEIRA, 2008) teve como objetivo refletir sobre possibilidades e dificuldades que a lei 10.639/03 trouxe para o ensino de arte na contemporaneidade. Ivaina levantou questões que diziam respeito a sua realidade docente, como por exemplo: "de que maneira o ensino de arte está atento a estas questões multiculturais? A pesquisa de campo realizada constatou que na inclusão do conteúdo da História e Cultura Africana e as práticas cotidianas do ensino de arte na escola existe um profundo descompasso entre a teoria e a prática. Nesse sentido,  Ivaina afirma: “... vejo o ensino de arte como um campo inacabado no qual a Lei 10.639/03 vem dar maior completude em suas dimensões tornando-o mais prenhe de valores de diferentes manifestações artísticas e de inter-relação entre os códigos culturais de diferentes grupos” (OLIVEIRA, 2008).

Ainda em 2008, recebi a mestranda Raquel Mendes de Melo, que estava investigando  filmes de animação da Disney. O interesse pelo tema nasce do hábito de assistir filmes infantis com os filhos e discuti-los logo em seguida. Essa prática doméstica foi apropriada como instrumento de ação pedagógica com suas alunas do Curso de Especialização em Docência Universitária, na disciplina  Dinâmica da Aprendizagem. Com essa experiência em curso,  Raquel encontrou no Programa de Pós-graduação em Cultura Visual a possibilidade de aprofundar e sistematizar a sua prática. O foco do seu trabalho foi perceber como as imagens dos filmesremetiam àsvisualidades da práxis pedagógica. Trabalhando com um grupo de professores colaboradores da pesquisa, Raquel procurou saber quais seriam as contribuições perceptivas do universo subjetivo de cada um(a) delas(es) com relação às visualidades da práxis pedagógica presentes no filme escolhido, que dá título à dissertação: "A ESPADA ERA A LEI: VISUALIDADES DA PRÁXIS PEDAGÓGICA"( MELO, 2008). No enfrentamento de suas questões, Raquel investiga a função simbólica da imagem - de subjetividade e objetividade - e as relações entre sociedade, cultura e simbolismo nas representações imagéticas, criando um intercruzamento com os estudos da cultura visual.

Página 32

Depois me chegou um projeto cuja área não era de artes, mas passava por importantes questões tais como: corpo, memória, história do ensino superior. Em 2007, Fabiana Alzira Ramos do Nascimento tinha sido recém aprovada como professora na ESEFFE -Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia, hoje unidade da Universidade Estadual de Goiás. Sua pesquisa girou sobre a "CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO DO CORPO DURANTE A DÉCADA DE 1960 EM GOIÂNIA" (NASCIMENTO, 2009). Fabiana trouxe para o nosso programa a curiosidade de conhecer como essa escola se construiu e qual a sua importância no contexto do ensino superior do Estado de Goiás. Fabiana lida com um acervo imagético da instituição e de seus entrevistados de forma mais ilustrativa para situar a relação tempo/espaço de quando foram realizadas. No entanto, na conclusão do seu trabalho, Fabiana percebe que falar sobre a construção da educação física em Goiânia é falar também como a cidade se constrói em forma de um grande corpo de concreto no qual existem marcas de como foi pensada a concepção de educação física na cidade.

Ainda neste ano de 2009, recebo Wolney Fernandes Oliveira, meu ex-aluno do bacharelado em Artes Visuais, habilitação em design gráfico. Wolney chega com um projeto em torno do imaginário da Santa Dica, a única líder messiânica de que se tem notícias no Brasil, cuja  história se dá na mesma cidade onde Wolney nasceu e cresceu: Lagolândia - um distrito da cidade de Pirinopólis, no interior do Estado de Goiás. Mas o foco da investigação deslizou da beata para seu contexto: a cidade e seus espaços, o rio, as lendas, os ritos, as festas, etc. Em sua dissertação HISTÓRIAS COM DONA PRIZULINA: DA BEIRA DO FOGÃO A CULTURA VISUAL (OLIVEIRA, 2009, o mestrando designer e artista extrapola as normas de formatação tradicional de um trabalho acadêmico. As páginas da sua escrita são borradas, o texto digitalizado sofre interferências de texto manuscrito e imagético, algumas páginas se desdobram como encartes publicitários. A todo esse processo ele dá o nome de "escrituragem".

Mais uma vez, o chão da escola que partia das realidades do contexto escola: Vânia Olária, formada em Licenciatura em Educação Artística e no Bacharelado em Artes Visuais, ambos na FAV. Vânia chega com uma firme trajetória de professora da rede pública estadual e municipal. Enquanto proposta para o mestrado, ela trás uma experiência vivenciada em uma escola de Goiânia, com um grupo de hip hop, durante dois anos. Este grupo praticamente invisível na sala de aula ganha um espaço (marginal) de trânsito entre o dentro e o fora da escola ao se apresentar regularmente para a comunidade, "tutelados" pela "professora gente boa". O trabalho resultou na dissertação “ARTE / VIDA / TRABALHO: PRODUÇÃO DE SENTIDOS DE HIP HOPPERS DA VILA PEDROSO-GOIÂNIA” (OLÁRIA, 2010) e teve como objetivo discutir os significados sociais e estéticos com relação ao hip hop produzido pelo grupo em questão. A pesquisa apoiou-se em entrevistas narrativas com ex-integrantes desse grupo, já trabalhadores e fora da escola. A pesquisadora realizou diversos registros imagéticos dos happers: imagens da casa, dos espaços de circulação, das moradias, dos trabalhos, das roupas, de suas produções visuais, etc. Verifica-se nesse trabalho a força da cultura popular urbana ligada à uma cultura juvenil de periferia.

Página 33

Rosilandes Martins foi uma orientanda que veio de outro campo disciplinar. Formada em Comunicação Social, é atriz e figurinista. Sua investigação abordou as narrativas orais de Tereza Bicuda, uma figura lendária do imaginário colonial de Goiás. A autora explorou um conjunto de narrativas em torno dessa figura, levantando questionamentos do papel da mulher no período colonial e trazendo para a escrita  seu repertório de lembranças de infância e experiências estéticas. A sua abordagem metodológica parte das lembranças pessoais e coletivas e do corpo de elementos que desenvolve nas poéticas cênicas para mesclar e criar campos de diálogo com a cultura visual. A dissertação DESFIANDO TEREZAS E BORDANDO BICUDAS: a menina do quintal e as dobras do seu bornal (MARTINS, 2010) dialoga com as noções de “multiplicidade” como processos de movimento e diversidade, “estéticas do cotidiano” como ampliação de entendimento de conceitos, atividades e artefatos artísticos e o potencial arte-educativo dessas práticas. Sua dissertação, assim como a do Wolney, explora possibilidades plásticas conectadas à sua experiência de produção de figurinos.

Na turma seguinte, a questão de patrimônio cultural me chega de outra maneira, a partir das inquietações de Genilda Alexandria, ex-aluna do curso de Bacharelado em Artes Visuais (design gráfico) e que estava, naquela época, ligada à elaboração de ações educativas e à produção de material para estas ações em torno de questões de educação patrimonial. A dissertação NARRATIVAS DE PATRIMÔNIO E PERCEPÇÕES CULTURAIS SOB A ÓTICA DA CULTURA VISUAL (ALEXANDRIA, 2011) procura problematizar as relações entre patrimônio, educação e sociedade e direciona o olhar para os conflitos e processos da construção do universo patrimonial no Brasil.  A medida em que adentrava nas discussões da cultura visual, a autora troca a ideia de patrimônio por  “narrativas do patrimônio” na medida em que propõe a revisitar as relações culturais presentes no campo patrimonial a partir de uma ótica reflexiva entre a vida social e o artefato patrimonial.

Em 2007, começamos na Faculdade de Artes Visuais a oferta de cursos de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade a distância. A existência desse curso mobilizou um alto número de atores para aqueles novos processos de ensinar e aprender artes visuais. Dois anos depois (2009) me chega o primeiro projeto que busca investigar aspectos dessa nova realidade na Faculdade de Artes Visuais. O foco da dissertação “ESCOLAS FLUTUANTES, SUJEITOS TRANSAPRENDENTES" (GUIMARAES, 2011) foi a representação do trabalho docente no AVA, mais especificamente um olhar sobre  processos de mediação dos professores tutores. O autor utilizou uma experiência etnográfica denominada etnografia virtual, bem como realizou um percurso de caráter autoetnográfico, pois refletiu sobre suas experiências como tutor no AVA e sobre os deslocamentos e encontros entre o professor e o designer gráfico.

Aurisberg Leite Matutino foi outro orientando que veio do campo do design gráfico, formado também na FAV e que exerce tanto a função de designer, quanto a de educador social. Investigou as práticas socioculturais e formativas do Grupo de Teatro Venvê Parangolé, localizado no Setor Madre Germana I, em Aparecida de Goiânia, Goiás. As narrativas apresentadas pelo grupo estão articuladas de modo a abordar as formas de ver, se ver e ser visto do grupo em seu trabalho coletivo. As práticas artísticas e educativas deste grupo tem como motivação principal servirem como vetor de transformação social. Em sua dissertação CAMINHOS PARA VER, SE VER E SER VISTO: o Grupo de Teatro Venvê Parangolé (MATUTINO, 2012) Aurisberg analisa as visualidades populares produzidas pelo grupo em sua tentativa de reconstruir a imagem socialmente estereotipada, comumente atribuída a jovens de periferia, e como forma de superação de desigualdades e mudança social.

Página 34

Tales Gubes veio da Comunicação Visual. Na investigação que resultou na dissertação PEDAGOGIA QUEER, CULTURA VISUAL E DISCURSOS SOBRE (HOMO)SEXUALIDADES EM DOIS CURSOS DE EXTENSÃO ONLINE (GUBES,2012), Tales explorou discursos sobre (homo)sexualidades, informado pela perspectiva da cultura visual e da Teoria Queer, em particular pelas suas preocupações com o campo da educação. O lócus da investigação se deu em dois cursos de extensão online em um grupo de discussões elaborado para refletir sobre a temática. Assumindo-se como pesquisador iniciante e educador em construção, Tales trás experiências pessoais e as conecta com o referencial teórico, posicionando-se enquanto sujeito que é afetado pelos discursos estudados. Entre eles, destacam-se a crescente visibilidade da sexualidade e o tabu que a acompanha; o entendimento de que homossexualidade (masculina) está essencialmente vinculada com gênero; a dificuldade de lidar com o tema em sala de aula pelo medo de influenciar os estudantes e a existência de fatores contextuais que desafiam os sujeitos ao discutirem essas questões.

As vivências pessoais, artísticas e docentes que Marcelo Forte teve no seu curso de  licenciatura plena em Artes Visuais em Santa Maria-RS foram determinantes para que  tivesse como objeto de pesquisa a formação do professor/artista. Escolheu o estágio Curricular Obrigatório dentro da Licenciatura da Faculdade de Artes Visuais como o campo de suas indagações. Entrevistou e acompanhou estudantes estagiários, entrevistou professores, leu documentos normatizadores e procurou uma literatura que tratasse da questão da formação do artista/professor.  Sua dissertação ATRAVESSANDO TERRITÓRIOS: FAZENDO-SE DOCENTE-ARTISTA NO PROCESSO FORMATIVO (FORTE, 2013) apresenta situações (dele próprio e dos colaboradores) que revelam os entremeios que podem tornar pessoas pesquisadoras, artistas e professores de artes visuais. Movido pela ânsia de encontrar uma resposta, uma causa e também pelos aspectos positivos das situações que ele mesmo vivenciou, conjugando criação e docência, Marcelo chega ao final do trabalho percebendo que as respostas são várias, os contextos diferentes e as escolhas são múltiplas. Como exemplo, ele mesmo constata que teve uma formação docente-artística não porque o curso quis que ele tivesse, mas porque ele insistiu nisso.

Em 2011, chega mais um candidato com projeto ligado a tecnologia e educação, mas desta feita, procurando investigar o cotidiano de uma escola pública em Goiânia. Audnan Abreu Silva, também professor de artes da rede pública do Estado de Goiás, formado pela FAV em Licenciatura em Artes Visuais e apaixonado pelas tecnologias. Depois de um período de convivência com um grupo de professores colaboradores desta escola, o autor da dissertação EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: IMAGENS ELETRÔNICAS NA ESCOLA (SILVA, 2014) pesquisou as imagens eletrônicas no espaço escolar sob o foco das narrativas dos professores e suas concepções relacionadas às Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), trazendo discussões sobre as relações entre educação, tecnologia e cultura visual.  Estes meios passam a fazer parte do cotidiano social e escolar, e alterando comportamentos e criando incertezas e questionamentos sobre o acesso, abordagem e potencialidades das NTIC em ambientes educacionais. Com Audnan encerro o inventário dos trabalho já defendidos até 2014 e prossigo com aqueles que ainda estão em andamento: Aissi Kárita, Edith Lotufo e Elmira Inácio (mestrandas); Juzelia Moraes, Denise Bogéa, Wolney Oliveira e Alexandre Guimarães (doutorandos).

Página 35

Aissi Kárita também é ex-aluna da FAV com duas graduações. A primeira em bacharelado em Artes Visuais cursada na modalidade presencial. A segunda graduação em Licenciatura em Artes Visuais cursada na modalidade a distância. Sua investigação, intitulada provisoriamente como FAZENDO NINHOS NA ESCOLA, se vale do conceito do Programa Ambiental de Hélio Oiticica (1986), que foi tomado em seu sentido amplo, ou seja, de “recinto-obra” aberto à participação, de apropriação, de ações propositivas, de desejo de transformação do espaço e do indivíduo a partir da experiência artística, do desafio de viver esteticamente.  Segundo Aissi, ninhos também remetem ao poeta Manoel de Barros e toda a construção do seu texto é inspirada nas (des)imagens que o poeta constrói (ou desconstrói). Os capítulos vão sendo organizados de "raminho em raminho". O lugar de onde fala (dela e dos estudantes colaboradores) é o Instituto de Educação de Goiás, com seus espaços curriculares entendidos enquanto currículos tácitos e formais. O trabalho de campo realizado nesse espaço propôs um exercício para os estudantes/participantes da pesquisa, que consistiu em desenhar de memória os espaços e lugares da escola. Analisando os desenhos, ela chegou aos  contornos conceituais para espaço(s), lugar(es), não lugar(es) ou lugar(es) inútil(eis) e território. Segundo ela, um exercício de desmanchar e reorganizar conceitos. 

De novo as questões do popular pedem assento nesse grupo. Professora do curso de Design da PUC Goiás, Edith Lotufo está desenvolvendo uma pesquisa sobre uma experiência intercultural em torno do artesanato de Porto Nacional (TO) entre a década de setenta e oitenta. O projeto de pesquisa tem por objetivo criar várias vias de acesso e de reaproximação com uma experiência vivida no passado por grupos comunitários que criaram a ASSOCIARA - Associação dos Artesãos e Artífices, e então recontá-la e (re)significá-la a partir de hoje e a partir das discussões da cultura visual. A pesquisa de campo foi realizada de três formas: a primeira foi uma série de entrevistas realizadas com três artesãs já idosas, que participaram do projeto em questão. A segunda passou pela seleção e interpretação de imagens e entrevistas não estruturadas. Cabe neste processo um papel principal às fotografias antigas do arquivo pessoal. Terceiro, foi criando um espaço virtual no Facebook, onde as imagens são postadas e coletivizadas. São elas que fazem emergir imagens de um tempo passado carregadas de significados do tempo presente.

Nayara Monteles é outra orientanda que chega com a formação inicial em Licenciatura em Artes Visuais e com uma experiência pedagógica nos cursos de Licenciatura em Artes Visuais, na modalidade a distância, da Universidade Federal do Maranhão. Sua proposta da investigação nasce do envolvimento e experiência da pesquisadora como tutora e formadora nesses cursos. A vinda de Nayara para a UFG é muito significante quando se fala de teia, pois as duas universidades, UFG e UFMA foram parceiras nos projetos de formação de professores na modalidade a distância. Assim, ela que viveu a EAD em outra universidade, com outros atores e outras conexões, propõe no mestrado analisar os contextos das duas IFES, bem como as relações de saberes na disciplina Estágio por meio dos discursos e práticas, além de estabelecer as perspectivas educacionais da EAD e as relações com a cultura visual.  Assim como Alexandre Guimarães, ela vai se valer da etnografia virtual para o levantamentos dos dados, além de entrevistas narrativas e visitas de campo.

Página 36

Já o projeto de Elmira Inácio, chamado TEIAS DE RECIPROCIDADE: EDUCADORES/AS DA EQUIPE DEARTES (CAJU) COM A FOLIA DE REIS DA COMUNIDADE DE RIBEIRÃO DE AREIA, busca tecer relatos da experiência vivida e dos processos de mediações estabelecidos entre os/as educadores da equipe de Arte da Casa da Juventude Pe. Burnier – Goiânia, com a comunidade de Ribeirão Areia – MG, no período de 2004 a 2012. Trata-se de uma pesquisa caracterizada de pesquisa-ação-investigação, empiricamente fundamentada nas mediações estabelecidas entre a equipe de Arte com a Comunidade Rural de Ribeirão de Areia, a partir do contato inicial com o festejo. Ela vem analisando as práticas culturais significativas desse cotidiano, contextualizando a pesquisa no momento destas teias de reciprocidade num processo de construção de ensino e aprendizado. As fontes da pesquisa são provenientes deste intenso diálogo e trocas de saberes do período de 2004 a 2011, que gerou um banco de imagens digital, relatórios e atas de reuniões da equipe de arte, registros visuais descritivos do modo de vida e suas práticas socioculturais da comunidade de Ribeirão de Areia.

Em 2010, recebemos os nossos primeiros doutorandos. Dos quatro que estão sob a minha orientação, uma vem de Santa Maria - RS, dois são de Goiás e são ex-mestrandos do nosso programa. A quarta doutoranda vem de São Luis e é professora do Instituto Federal do Maranhão. Para continuar o inventário, falarei um pouco sobre cada um.

Em vias de defender sua tese Juzelia Moraes será a minha primeira orientanda a fechar o doutorado. Chegou em 2010 com uma proposta de investigar as visualidades de cadernos de receitas culinárias, a começar pelo dela e o caderno de sua mãe, ambas amantes das práticas de cozinhar. Além da análise dos cadernos quando discutiu construção de gênero ela apostou em uma investigação com seis colaboradores realizando entrevistas narrativas acontecidas em situações da produção de algum prato, troca de receitas e muita conversa. Sua investigação apoia-se nos Estudos do Cotidiano que compreendem e enfatizam as práticas comuns desenvolvidas por “sujeitos anônimos do cotidiano” (CERTEAU, 2000) como profundamente envolvidas nos processos político-sociais. Sua tese "AO SABOR DAS NARRATIVAS - RELATOS A PARTIR DE PRÁTICAS DAS COZINHAS" (2014) é um conjunto de saborosas  e inquietantes reflexões sobre como essas práticas produzem afetos para além deste âmbito e como atuam na produção de subjetividades.

Wolney F. Oliveira, já citado neste texto como mestrando, retorna ao programa como doutorando com uma pesquisa sobre "CARTOGRAFIA DE AFETOS SUSSURRADOS PELAS MEMÓRIAS DO MEU AVÔ" (título até o momento). Wolney empreende uma jornada para mapear práticas afetivas que orbitam em torno da figura do seu avô materno. Com os dados resultantes desse mapeamento, vem realizando uma  cartografia para evidenciar processos, artísticos e pedagógicos, tramados nos movimentos de transformação das paisagens que avançam para além da sala de aula. Pelas entrelinhas de uma narrativa pautada pela cartografia, também são trançadas as percepções, memórias e experiências de personagens que vão surgindo na medida em que Wolney andarilha nessa memória através de documentos, cartas e conversas. Práticas e saberes vão se revelando: o avô marceneiro, o barbeiro do avô e outros saberes que podem ser pensados como parte dos saberes/fazeres pedagógicos em artes visuais.

Página 37

A doutoranda Denise Bogéa, professora do Instituto Federal do Maranhão, chega em 2012 trazendo em sua bagagem uma preocupação com a cerâmica tradicional da sua região. Seu projeto de pesquisa é sobre a poteira Maria José Frazão Costa, mais conhecida como dona Maria do Pote. Tem interesse em aprofundar as abordagens sobre a história de vida e o trabalho de Maria do Pote através de narrativas hipertextuais. A pesquisa se volta para as práticas e experiências estético-visuais, dando ênfase aos conceitos de visualidade, imagem, arte, tecnologia, educação, memória e gênero. Segundo Denise, tendo em vista discutir a relação entre memória e portabilidade, a investigação propõe-se a imaginar maneiras de enredar a comunicabilidade entre o tradicional e o tecnológico.

Em 2013, outro ex-mestrando que retorna a nossa comunidade investigativa como doutorando é Alexandre Guimarães. Sua proposta agora é sobre os "avessos" da docência" dos professores de artes visuais no Instituto Federal de Goiás. Retoma uma reflexão de sua trajetória como professor/designer com atuações em diversos contextos educativos: Educação de Jovens e Adultos (1997), ensino fundamental e médio (2001), ensino superior na modalidade a distância (2008), na modalidade presencial (2011). Em 2012, passa no concurso para professor efetivo no IFG para trabalhar com cursos de ensino médio/técnico e com a formação de professores – Licenciatura em Dança. Vivenciando a realidade e o contexto dos institutos Federais, começa a indagar-se sobre a formação docente dos professores de artes visuais, com um olhar para a trajetória de formação de cada professor e como isso afeta as ações docentes deflagradas naquele contexto.

Um olhar sobre os desenhos das teias

Cada um com seu movimento, mas se olharmos os desenhos, veremos que os fios dessa teia se cruzam em vários momentos. Aprendemos com as mediações, nossa compreensão emerge de encontros, os quais podem ser refeitos, imaginados, e até mesmo como hoje em dia, virtualizados. Encontramos estudos de caso, grupos focais, exemplos de investigação participativa, utilização de entrevistas narrativas, construção de narrativas visuais, desconstrução da escrita privilegiando o verbal. A forte presença das imagens como peças chave nos processos de levantamento de dados e de análise/prática interpretativa. Podemos encontrá-las como fonte documental na pesquisa, mas estão numa ordem de importância que deflagram questões e insights que por vezes mudam o rumo da investigação. Aprendemos que o pesquisador qualitativo pode ser um bricoleur ou fabricante de colchas, um cartógrafo que se utiliza das mais variadas estratégias, métodos ou materiais empíricos que estejam ao seu alcance. À medida que essa comunidade amadurece, tem se evidenciado a necessidade de um maior aprofundamento nas questões conceituais e metodológicas do próprio campo das artes visuais e suas extensões pedagógicas. Assim, investigação com base nas artes e pesquisa educacional com base nas artes nos representam artograficamente. É numa formação dessas teias que vejo os novos saberes /teorias/práticas pedagógicas que, inter-relacionados, apóiam o exercício do investigar/ensinar/aprender arte. A constituição de múltiplos campos trazem para a investigação em arte e ensino da arte possibilidades de ensinar e aprender desfronteirilizadas  numa visão mais sistêmica, sinergética e porque não, mais holística de arte e educação na contemporaneidade. Os projetos de investigação aqui apresentados apresentam dinâmicas próprias que trazem insights, metáforas, analogias, narrativas e histórias de vida.

Penso que nos movemos nos entre/espaços das teias que vamos tecendo como professores/investigadores, inventando outras formas de fazer pesquisa em artes visuais com uma relação muito forte com a própria arte, fugindo das costumeiras oposições entre professor x artista, artista x pesquisador, professor x pesquisador e todas as outras dicotomias que conseguirmos montar. No entanto, fugir não quer dizer não enfrentar. É necessário compreender os processos históricos que nos levam a essas divisões. Por outro lado, há que se reconhecer determinadas competências específicas, certos encantamentos que existem mais em um do que em outro. Experiências que oscilam, mudam, se reconfiguram e que vão, por sua vez, formar outras teias investigativas.

Página 38

Referências

BARBOSA, Ana Mae. A importância da imagem no ensino da arte: diferentes metodologias. São Paulo, Perspectiva, 1991, p. 27-82.

DENZINNorman K./ LINCOLNYvonnaS. (eds.): The landscape of qualitative research. Theories and issues. 2nd edition, Sage, London et al. 2003.

GUIMARÃES, Leda. Narrativas Visuais: ferramentas estéticas/investigativas na experiência docente. Educação & Linguagem, Brasil, 13, apr. 2011. Disponível em: www.metodista.br . Acesso em: 25 Sep. 2011.

GUIMARÃES, Leda. La ciudad como escenario de aprendizajes artísticos, estéticos y culturales: una propuesta de desbordamientos pedagógicos en las artes visuales. En: PAREDES, J.; HERNÁNDEZ, F.; CORREA, J. M. (Eds.) (2013). La relación pedagógica en la universidad, lo transdisciplinar y los estudiantes. Desdibujando fronteras, buscando puntos de encuentro. Madrid:UAM, 2013, p. 120-133.

HUBERMAN, Didi. “Las imágenes son un espacio de lucha”. Entrevista 18 de dezembro de 2010.

Dissertações e teses

ALEXANDRIA, Genilda. Narrativas de Patrimônio e Percepções Culturais sob a Ótica da Cultura Visual. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2011. (dissertação de mestrado)

FORTE, Marcelo. Atravessando territórios: Fazendo-se docente-artista no processo formativo. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2013. (dissertação de mestrado)

MELO, Raquel Mendes de: "A espada era a lei: visualidades da práxis pedagógica". Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2008. (dissertação de mestrado)

MORAES, Juzelia. Práticas de Cozinhar. "Ao sabor das narrativas - relatos a partir de práticas das cozinhas". Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2014. (tese de doutorado)

OLÁRIA, Vânia. “ARTE / VIDA / TRABALHO: Produção de Sentidos de hip hoppers da Vila Pedroso-Goiânia”. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2010. (dissertação de mestrado)

OLIVEIRA (a), Ivaina. "A (IN)visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais". Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2008. (dissertação de mestrado)

OLIVEIRA (b), Wolney F de. de. Histórias com Dona Prizulina - da beira do fogão à cultura visual. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2009. (dissertação de mestrado)

GUIMARÃES, Alexandre José. ESCOLAS FLUTUANTES, SUJEITOS TRANSAPRENDENTES". Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2011. (dissertação de mestrado)

GUBES, Tales Vaz. Pedagogia queer, cultura visual e discursos sobre (homo)sexualidades em dois cursos de extensão online. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2012. (dissertação de mestrado)

MARTINS,  Rosilandes C. (c) Desfiando Terezas e bordando Bicudas - a menina no quintal e as dobras do seu bornal. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2010. (dissertação de mestrado)

MATUTINO, Leite Aurisberg. CAMINHOS PARA VER, SE VER E SER VISTO: O Grupo de Teatro Venvê Parangolé. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2012. (dissertação de mestrado)

MELO, Raquel Mendes de. "A espada era a lei: visualidades da práxis pedagógica" Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2008. (dissertação de mestrado)

MORAES, Juzelia. Práticas de Cozinhar. "Ao sabor das narrativas - relatos a partir de práticas das cozinhas". Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2010. (tese de doutorado)

NASCIMENTO, Fabiana Alzira Ramos do. "Construção do imaginário do corpo durante a década de 1960 em Goiânia". Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2009. (dissertação de mestrado)

SAGHIÉ, Najla Fouad. "O ensino / aprendizagem da língua inglesa na perspectiva da cultura visual". Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2008. (dissertação de mestrado)

SILVA, Audnã Abreu. Educação e tecnologia: imagens eletrônicas na escola. Programa em Arte e  Cultura Visual. Goiânia: UFG, 2014. (dissertação de mestrado).

Leda Guimarães é professora Adjunta da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, atuando na graduação e no programa de pós-graduação em Arte e Cultura Visual. Doutora em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da universidade de S. Paulo. Pesquisa visualidades populares. Email: ledafav@gmail.com