Pós-Modernidade e Internet: os Gifs como Ferramentas de Afeto e Ativismo Virtual

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Pós-Modernidade e Internet: os Gifs como Ferramentas de Afeto e Ativismo Virtual

Mariana Leite de Almeida

Lúcia Bergamaschi Costa Weymar

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Apressados, rodeados de lixo físico, atolados de lixo mental e, por outro lado, libertos em nossas paixões cotidianas e motivações de vida, edificamos nossa existência nos paradoxos do tempo, que cura e fere, e do espaço, que mostra e esconde. Dicotomias que representam as experiências diárias da contemporaneidade e colaboram para a formação de seres cada vez mais sensíveis e decididos, e, por outro lado, constantemente informatizados, inseguros e duvidosos. O tempo em que vivemos perpassa paradoxos e dicotomias tão tenuemente próximos que necessitamos refletir muito mais ainda sobre tais aspectos para tentar compreender as complexidades de uma época plena de peculiaridades. Desta forma, a contemporaneidade se constrói, intrinsecamente, com características tão inéditas quanto arcaicas. Que não raro se contradizem. Viver em uma era contraditória e, ao mesmo tempo, em uma era do “quase livre” acesso à informação – às vezes excessiva e superficial – não é tarefa fácil, mas tem algumas vantagens.

Tal era nasce de uma ruptura, entre a modernidade e a pós-modernidade, caracterizada principalmente pela mudança na forma de pensar o mundo, passando de absolutamente racionalizada para uma maneira que promete equilibrar razão e emoção. Na modernidade predominou a exclusão e alguns valores, como a sensibilidade, foram negligenciados. Uma época na qual não se considerava, em muitos momentos, o conhecimento do corpo, o senso comum e os valores comunitários. Ao contrário, a pós-modernidade, que segundo alguns pensadores teve seu início nas últimas duas décadas do século XX, apresenta aspectos muito mais voltados ao viver em comunidade, retomando algumas características dos tempos arcaicos (MAFFESOLI, 1995). E, embora isso aconteça, ainda é com freqüência constante a falta de reconhecimento e inclusão do outro. Tal processo gera um afastamento afetivo que prejudica nossa percepção sobre as experiências sociais e cotidianas. Todavia, essa individualidade nem sempre é negativa. Pelo contrário, os processos de conhecimento de nós mesmos e do entendimento do nosso estar no mundo, ou seja, da construção de nossas subjetividades, dependem diretamente das trocas afetivas, das experiências sociais e, na, prática, do que aprendemos com o outro. Assim, a concepção dos conhecimentos, tanto individuais quanto coletivos, é sempre o resultado da união entre o eu e o outro constantemente percebida no dia-a-dia. Logo, podemos notar que a coletividade acaba por definir os sujeitos no cotidiano tornando a época hoje vivida muito mais híbrida e hedonista bem como preocupada com as experiências diárias banais apreendidas a partir do conhecimento sensível.

[...] a modernidade foi puramente racionalista. São autores como Thomas Kuhn que mostraram isso. Ele diz que, a partir do século 17, a Europa seguiu a via recta, a estrada reta da razão. Quer dizer, um só valor. E para seguir a estrada reta da razão, deixou-se à beira da estrada toda uma série de bagagens inúteis - o sonho, o jogo, o simbólico, o imaginário - para ser eficaz. O resultado disso foi a sociedade moderna. O que eu digo é que atualmente nos damos conta da utilidade desta bagagem que tinha sido considerada inútil. Deste ponto de vista, sim, há uma relação estrutural, estreita entre o imaginário e a pós- modernidade. Para mim, a pós-modernidade é - e essa palavra não é do bom francês - a inteiridade (l'entierité). A inteiridade é aquilo que chamei de razãosensível. Ou seja, se diz a razão, mas na medida em que há o sentido, o sensível, isso se chama razão sensível. (MAFFESOLI, 2013, p. 14)

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Dessa maneira, tendemos a acreditar que o mundo configurou-se de modo diferente no momento em que os princípios da modernidade foram considerados ideais já ultrapassados. Passamos a falar em pós-modernidade e construímos uma barreira monumental, blindada e imaginária entre as duas formas díspares de se pensar o mundo. O problema – que talvez nem mesmo se configure definitivamente enquanto algo negativo – foi que percebemos que os pontos de vista, formas de pensar e maneiras de agir de hoje eram, às vezes, muito distantes da modernidade e, em outras vezes, muito próximos. Descobrimos, assim, e para além dessa questão, a pluralidade da nossa época. Passamos a sentir seus efeitos e a questionar tais relações de similaridades e diferenciações.

Este questionamento se deu, e se dá, à medida que vamos percebendo o mundo a nossa volta e criando com ele significações para além da simples ação de deslocar-se pelo espaço, ou de cumprir tarefas automatizadas em determinado tempo. Tal questionamento surge no ato de (re) pensar não só o espaço no qual estamos inseridos e o tempo de duração de nossas ações como também, e essencialmente, de re (pensar) nossas vivências, motivações cotidianas e maneiras com as quais nos relacionamos com o outro. Tais indagações resultam na tentativa de compreender a época na qual estamos inseridos e nos reflexos das nossas ações diante da sociedade que vivenciamos. Ou seja, buscam compreender a pós-modernidade através de nossas experiências estéticas – experimentando o mundo e o pensando ao mesmo tempo – e, a partir disso, apreender a estruturação plural e as diversas possibilidades existentes nesta época.

E, embora a tarefa de assimilar tais possibilidades não seja fácil, menos fácil é compreender as contradições de um período tão coletivo e ao mesmo tempo tão individualista (cujos aspectos em questão são influenciadores de todo o âmbito social). Todavia, mesmo com suas infinitas contradições de pensamentos próprias de um período de transição; das indagações sobre a importância do cotidiano e das frivolidades na construção de experiências estéticas; das dúvidas sobre a real liberdade do tempo vivido; da desvalorização da educação do sensível diante da racionalização; do não entendimento das diversas possibilidades de socialização oferecidas pela internet; e, ainda, da falta de comprometimento social, decorrente das constantes dúvidas em relação ao que experienciamos na atualidade, consideramos que o viver pós-moderno se mostra repleto de possibilidades de relacionamentos, ações e conhecimentos. Se a percepção de mundo começa a mudar no século XXI, mudam com ela as aspirações sociais e os modelos de relação. Muda a maneira de nos comunicarmos e a importância que se dá ao estar-junto.

É nesse contexto metamórfico, próprio do (re) pensar de um novo tempo, que encontramos em movimento constante o Graphics Interchange Format (GIF). Os GIFs, estes elementos estéticos, podem, quem sabe, representar as maneiras com as quais nos relacionamos com os paradoxos contemporâneos e podem, talvez, enquanto ferramentas de educação estética, colaborar na construção de lugares de convivência mais sensíveis e afetuosos.

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No tempo de grandes deslocamentos no espaço, das trocas intensas de informação, da mudança bem vinda de posicionamentos, da mega evolução tecnológica, da agitação diária, do trânsito acelerado, das casas de shows repletas, do entra e sai das lojas, da obsolescência dos produtos, da correria do dia-a-dia, da fermentação política através da internet, da enorme quantidade de conteúdo nas redes sociais e da animação das imagens sugerimos que o movimento ininterrupto se torna, talvez, uma das mais fortes características da pós-modernidade. Há algo de emocional no movimento, algo que prende a atenção, que quase aprisiona a alma e a transporta para uma dimensão diferente. O movimento por si só é vivo. É essência de vida capturada através do olhar, em gesto, em vídeo, em imagem animada. Na contemporaneidade, principalmente no mundo virtual, o movimento transpõe o material; transforma-se em interação ao mesmo tempo em que enfatiza as relações. O movimento é, antes de tudo, aura de um estar-junto invisível e imaterial; é energia de ligação que conspira a favor da coletividade e ao mesmo tempo da individualidade consciente construída através da vivência diária.

A pós-modernidade nos apresenta uma maneira diferente de vivenciar o tempo e o espaço. Com a internet, sobretudo, otimizamos nossos dias gastando menos tempo em atividades que agora podem ser feitas através da tela de um computador sem sairmos de casa. Além disso, o encurtamento das distâncias espaciais é muito característico já que cada vez mais conhecemos e nos relacionamos com lugares e pessoas através das redes e, assim, aumentamos, muitas vezes, o nosso círculo de convivência e os nossos conhecimentos específicos. O movimento que remete ao cotidiano experienciado está inserido no virtual de forma a ocupar um espaço no tempo. Tempo e movimento são elementos que se relacionam simultaneamente. Movimento é mudança e qualquer mudança é temporal. Assim, todos os elementos visuais, sejam palavras, imagens, vídeos, movimentam-se no tempo e no espaço (LUPTON, 2008).

Podemos conversar com amigos, ler um romance, ver cotações da bolsa, calcular as despesas domésticas e jogar um jogo, tudo ao mesmo tempo. Podemos ser vários personagens em diferentes jogos, cada um em uma janela. Nossa personalidade se divide, em uma espécie de "esquizofrenia digital". O mundo virtual nos chega através de um espaço pequeno - a tela de um computador, onde é fácil concentrar a atenção de nossos olhos e ouvidos. Com o apertar de um botão as janelas se alternam em nosso campo de visão. (VERLE, 1997, p. 3, grifo nosso)

Nesse cenário, encontramos um elemento corriqueiro nas redes sociais e, ainda, uma das ferramentas importantes nos processos de identificação e de propagação de ideias. O GIF, formato de imagem constantemente usado como maneira visual de se comunicar na contemporaneidade virtual, associado às propostas das redes de relacionamentos na internet, configura-se, muitas vezes, enquanto força que favorece as relações de forma a potencializar as experiências estéticas cotidianas. Mas, apesar de ser reflexo das sociedades virtuais da atualidade, o GIF nasceu há mais de vinte e cinco anos, com funções e utilidades muito diferentes das que possui hoje.

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O formato de imagem foi criado em 1987, pela CompuServe , com o intuito de levar cor ao ambiente virtual. Os formatos de imagem até então existentes eram pesados demais para os modens da época. Assim, o GIF surgiu como possibilidade de arquivo leve que permitia transmitir, em rede, imagens a cores. Pouco depois, com a popularização da web, o formato chegou à internet e adquiriu movimento, pois seus diversos frames de imagens alternados criavam uma figura animada. Foi o suficiente para, na década seguinte, o GIF ser visto, em quantidades absurdas, piscando freneticamente em quase todas as páginas pessoais. O uso exagerado dos GIFs, naquela época, representava a empolgação natural da popularização da internet.

As redes sociais online proporcionam uma maneira diferente de se comunicar com as pessoas e de filtrar e absorver as informações apresentadas. A comunicação mediada pelo computador mudou e ainda tem mudado profundamente as formas de organização, as manifestações de identidade, as mobilizações sociais e, principalmente, as possibilidades de conversação da sociedade. Com a internet e suas redes de convivência, as maneiras de se relacionar com o mundo e as pessoas se modificaram; muitas dessas mudanças foram fundamentais e ainda se desenvolvem e se manifestam. Uma das mais significativas é a "possibilidade de expressão e sociabilização" através dessas ferramentas de comunicação mediadas pelo computador (RECUERO, 2009). Ou seja, com a internet adquirimos uma nova maneira de nos expressar e de manter nossas relações sociais.

A internet é o "nós". No Facebook, há o lado da agregação, do estar-junto, de compartilhar fotos. Há o discurso, mas também a foto, o lado emocional. É sempre o desejo de estar em contato com o outro. E não há vida privada (MAFFESOLI, 2013)

A nova configuração de conversação e de relacionamento apresenta diversas manifestações estéticas, visuais e textuais, que representam a maneira com a qual as pessoas se comportam na rede. O GIF é um desses elementos visuais que representa a contemporaneidade e que demonstra, enquanto manifestação coletiva em rede, a maneira pela qual vivemos nosso cotidiano. Hoje, o GIF segue mais ou menos os mesmos passos que traçava por volta de 2005 com a diferença, porém, de ter adquirido um grande leque de possibilidades, desde artísticas até comerciais, em proporções muito maiores. As imagens animadas, através do tempo de duração de seus frames, dos seus contextos e de seu ritmo, acompanham os anseios das sociedades virtuais e os reflexos da vida cotidiana não virtual, e se inserem no ciberespaço de forma tão intrínseca que algumas redes sociais são inimagináveis sem elas. Esta volta do GIF só é possível graças à crescente valorização do nosso dia-a-dia entendido, atualmente, como questão seminal nos processos de conhecimento.

O GIF, neste sentido, pode ser percebido como uma forma de educação estética que partilha informações, emoções e percepções de mundo através da sua imagem animada. É o conhecimento sendo construído a partir da estética entendida enquanto sentido do estar-junto e, logo, do afeto. Sentido, coletivo e afeto são aspectos estruturais do conhecimento construído em rede que têm como premissas a vontade de estar com o outro, de fazer com que algo frutifique dessa relação e, principalmente, de desejar que nosso mundo seja mais sensível para que eu e o outro vivamos melhor. O processo de construção deste conhecimento que emana dos conteúdos compartilhados nas redes sociais só é possível quando passamos a enxergar, no outro, a chave para a compreensão racional e sensível do tempo vivido. É o conhecimento que só se torna possível e o comprometimento social que só se torna efetivo quando projetados e desenvolvidos em coletividade.

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Compreender o GIF e caracterizá-lo a partir de sua inserção no cotidiano pós-moderno permite enxergar, nele, uma possibilidade de ativismo virtual. Logo, falar sobre o GIF na atualidade, da coletividade que dele emana, do tempo e espaço que se configuram a partir dele, assim como entender de que forma as liberdades se manifestam através dos contextos compartilhados e do ritmo ditado pelo GIF, e de que maneira estes elementos visuais contemporâneos estabelecem uma relação entre o caos e a comunicação, ajudam a edificar efetivamente o GIF como instrumento que favorece a movimentação social.

Estamos constantemente em relação seja experienciando espaços físicos ou nos comunicando através de plataformas virtuais. E todas essas e outras formas de sociabilidade interferem diretamente em nossas vivências. Para além disso, a sociabilidade nos define enquanto sujeitos e nos coloca no mundo de maneira a valorizar os acontecimentos mais banais e compreendê-los como parte importante na construção de nossas identidades. É nesse cenário que a movimentação social se faz presente e o ativismo se torna essencial. A mobilização social estabelece uma relação importante com o cotidiano e se insere nas comunidades como forma de tornar a convivência entre os seres sociais mais harmônica. O ativismo pretende transformar os mundos dos quais fazemos parte em lugares mais justos e afetuosos e esse processo gira em torno do amor e do reconhecimento do outro como legítimo outro. Afinal, sem o outro não existe o eu. Sem o outro não existe experiência. Sem o outro a contemporaneidade não faz sentido. A época que vivemos tem evidenciado esse fator coletivo da construção do próprio eu a partir do outro e é provavelmente por isso que o ativismo tem, cada vez mais, se inserido no cotidiano. É possível constatar isso claramente nos ambientes virtuais nos quais eclodem as manifestações sociais de todas as ordens. São as novas tecnologias unidas ao sensível e ao sentimento comunitário arcaico que ainda nos identificam como seres sociais.

O que nos interessa é a vida, com suas múltiplas sensibilidades e formas de expressão. A cotidiana, com todo o saber nela encerrado e que a movimenta por entre as belezas e percalços do dia. A sensibilidade que funda nossa vida consiste num complexo tecido de percepções e jamais deve ser desprezada em nome de um suposto conhecimento “verdadeiro”. (DUARTE JR., 2001, p. 22)

A internet potencializa muitas formas de expressão e, consequentemente, potencializa diversas relações sociais nascidas de nossas experiências sensíveis. Assim, o ativismo virtual nos possibilita uma aproximação afetiva com o outro e, ainda, permite uma democratização através da rede. Inseridos nesse cenário atual os GIFs ativistas acabam por estabelecer um importante vínculo com a educação estética cotidiana, com os processos de identificação e, ao fim e ao cabo, com a mobilização social que cada dia está mais integrada às novas tendências de comunicação e novas possibilidades de relacionamento. Os GIFs ativistas circulam nos ambientes virtuais possibilitando a criação de laços que, além de sociais, são sensíveis.

Este novo ativismo (...) fez da comunicação mediada por computador (CMC) seus sentidos cognitivos e sua mente. Ele integrou nela seu olho, suas imagens, seu ouvido, suas sonoridades, sua boca, suas falas, sua pele, seus contatos até construir este corpo comunitário apto a viver no ciberespaço, programando os softwares [...] como novos instrumentos para o pensamento e a ação. Com isto igualou o meio à mensagem através da prática da ação direta, fazendo da CMC um lugar de percepção, afeto e atividade para as novas comunidades. (ANTOUN, 2001, p. 138)

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A internet faz toda a diferença nesses processos de comunicação e nos modelos de relação que se constroem na pós-modernidade. Com suas novas maneiras de ver e vivenciar o mundo a internet apresenta-nos diversas possibilidades de relacionamento colaborando para que estejamos cada vez mais conectados tanto do ponto de vista técnico, quanto do afetivo. Estando mais próximos do outro, de seu cotidiano e suas paixões, podemos ter as trocas sociais multiplicadas. Tais trocas colaboram na elaboração de nosso entendimento de mundo e, principalmente, na construção de nossas diversas singularidades, processo essencial na inserção em uma sociedade virtualizada e eclética. Conquanto, a aproximação nem sempre acontece, e muitas vezes a falta de contato físico acaba por fragilizar os laços sociais. Isso acontece, também, por resistirmos ao fato de a internet funcionar como ambiente de aprendizagem bem como por ainda não considerarmos o banal e cotidiano, pelo viés da estética, enquanto efetivos educadores. Desta maneira, muitas vezes não permitimos nos enxergar no outro e passamos a ignorar quaisquer ações que dele se beneficiem.

Isso se reflete em uma maior passividade e, consequentemente, em um menor comprometimento com a sociedade. Estar aberto a uma agenda política e social é, antes de tudo, estar aberto a relacionamentos plenos com o outro, no qual ambas as partes trabalham juntas na busca de lugares e situações melhores de se viver. O comprometimento social, então, está diretamente ligado ao ativismo, ou seja, ao desejo de estabelecer um laço com o outro e fazer com que algo frutifique desta relação. Assim, o ativismo pressupõe um agir coletivamente em consonância com o outro numa relação de amor e respeito e acaba, igualmente, e através deste afeto, por funcionar como manifestação que contesta sistemas e ideologias já instaurados. Com a internet essas manifestações sociais têm se tornado mais frequentes e têm, da mesma maneira, alcançado e conquistado um número maior de pessoas. São as redes sociais potencializando as maneiras de se relacionar com as pessoas e com a sociedade em sua totalidade. Nesse contexto encontramos diversas formas de fazer ativismo: textos em blogs, petições online, vídeos e imagens com conteúdos sociais, etc. Através da internet esses modelos estéticos se propagam de forma exponencial e se mostram tão importantes quanto às manifestações de rua, por serem, justamente, elementos com os quais nos identificamos e que são constantemente visualizados em nosso cotidiano.

O meio figurativo pode fornecer, para isso, uma ajuda fecunda. A figura permite fazer sentido e dar sentido, não enquanto finalidade distante ou alvo a ser atingido, mas enquanto o que eu comunico ou o que eu partilho com outros. "A figura é o que vos olha, o que me olha". Esta fórmula, de Gilbert Durand, resume bem meu ponto de vista, a figura é particular, e ela induz, por isso mesmo, um entusiasmo específico, entusiasmo estático, ou uma intensidade emocional que vai agir em profundidade na vida social. É um tal entusiasmo que foi a origem das revoluções dos tempos passados, sendo bem possível que também seja a origem da dolorosa gestação que vivemos, da socialidade que está por vir. (MAFFESOLI, 1995, p. 141)

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O GIF animado é um desses elementos estéticos contemporâneos que aparece inserido no cotidiano de maneira a expressar nossas identidades e enfatizar uma nova forma de se relacionar com os objetos virtuais. Uma forma agora animada e mais próxima de como efetivamente vivemos: em movimento. Apesar de representar a coletividade e o afeto compartilhados em rede, o GIF, diferentemente das imagens virtuais, ainda não é utilizado como ferramenta de ativismo. Talvez o reconhecimento da imagem animada como possível instrumento de mobilização social não aconteça pela razão de que tal formato de imagem não ter total compatibilidade, por exemplo, com o Facebook, a maior rede social da atualidade e com o maior número de usuários. Além disso, o tom descontraído frequentemente apresentado por estas imagens pode distanciá-las das concepções mais conservadoras de comprometimento social. Todavia, o GIF pode funcionar, sim, como instrumento de ativismo, principalmente quando inserido em redes como o Tumblr nas quais é perfeitamente executado.

Compreendemos que viver a pós-modernidade é tão difícil quanto aceitar as contradições de uma época coletiva e, ao mesmo tempo, individualista e que, ainda assim, o viver pós-moderno se mostra cheio de possibilidades de relacionamentos e ações, e de múltiplas maneiras de construir nossos conhecimentos. Esses conhecimentos são também apreendidos esteticamente o que ajuda a tornar os GIFs importantes elementos cotidianos contemporâneos pois, ao estabelecer uma relação entre o caos e a comunicação, ajudam a construir a ideia de movimento no ambiente virtual, o que o viabiliza como instrumento que favorece a movimentação social. A internet potencializa muitas relações sociais nascidas de nossas experiências sensíveis e, consequentemente, potencializa as formas de mobilização que nos possibilitam uma aproximação afetiva com o outro.

Através de seus loopings infinitos o GIF representa a agitação da vida contemporânea e contribui para a potencialização das relações permeadas pela internet bem como apresenta os assuntos atuais ao ser compartilhado com a efetiva premissa de partilha com o outro (partilha do cotidiano, das identidades, dos anseios e dos afetos de uma sociedade conectada em rede, cujo aprendizado também apóia-se pelo banal, pela coletividade e pelo reconhecimento do outro). Essa miscelânea de afeto e educação estética, constantemente observada nas redes sociais bem como nos GIFs animados, contribui com a formação de seres mais preocupados com as pessoas a sua volta e mais dedicados aos papéis desempenhados em sociedade. E cria, ainda, uma nova percepção de educação, construída pelo contato com o mundo e pelo relacionamento entre as pessoas, ambos experienciados através do sensível. Desta maneira, o GIF, por ser essencialmente coletivo e por impulsionar gostos, desejos e ideais da sociedade contemporânea, torna-se possível instrumento de educação, de aproximação afetiva, de preocupação com o outro e, assim sendo, de ativismo. O GIF é apenas um dos elementos que podem ser usados como ferramentas de mobilização social e a tendência (com base no fato de que cada vez mais pessoas assumem uma postura engajada nas redes socais) é que outros elementos passem a se fazer importantes no nicho do ativismo virtual que cresce a cada dia.

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Referências

ANTOUN, Henrique. Jornalismo e ativismo na hipermídia: em que se pode reconhecer a nova mídia. Revista

FAMECOS. Porto Alegre, n. 16, dez., 2001.

CASTELLS, Manuel.A galáxia Internet: reflexões sobre Internet, negócios e sociedade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

DUARTE JR., João Francisco. O Sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Campinas, 2000. Tese.

HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LUPTON, Ellen; PHILIPS, Jennifer Cole. Novos fundamentos do design. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

MAFFESOLI, Michel. O elogio da razão sensível. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

MAFFESOLI, Michel. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e socialidade. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005.

MAFFESOLI, Michel. Saturação. São Paulo: Iluminuras, 2010.

MAFFESOLI, Michel. Sociólogo Michel Maffesoli fala da retomada de manifestações juvenis: depoimento [9 de abril de 2013]. Porto Alegre: Zero Hora. Entrevista concedida a Gabriel Brust.

VERLE, Lenara. Tempo e espaço no cyberspace. Porto Alegre: 1997. Disponível em: www.lenara.com Acessado em: 01 de outubro de 2014.

NOTAS

1 Um dos primeiros servidores online a disponibilizar conexão com a internet.

2 Modem é “um dispositivo eletrônico que modula um sinal digital em uma onda analógica, pronta a ser transmitida pela linha telefônica (...). Utilizado para conexão à Internet, BBS, ou a outro computador” (PINHO, 2010).

3 Frame é cada uma das imagens fixas que compõe uma animação.

Mariana Leite de Almeida é Professora substituta dos cursos técnicos e de graduação em Design no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL) – campus Pelotas. Possui graduação em Design Digital pela Universidade Federal de Pelotas (2012) e tem experiência nas áreas de Web Design, Direção de Arte e Arquitetura de Informação. É mestre em Artes Visuais também pela Universidade Federal de Pelotas (2015). Pesquisa sobre Graphics Interchange Formats (GIFs) e as peculiaridades da pós-modernidade virtual com ênfase na relação entre as imagens animadas, ativismo, educação/experiência estética e afeto.

Lúcia Bergamaschi Costa Weymar - Coordenadora dos Cursos de Design da UFPEL. Doutora em Comunicação Social (PUCRS). Graduada em Artes Plásticas (FURG). Mestre em Educação (UFPEL). Professora adjunta dos Cursos de Design do Centro de Artes (UFPEL) e responsável pelas disciplinas Design de Identidade, Projeto de Cartaz e Design Autoral. Professora permanente do Mestrado em Artes Visuais do Centro de Artes (UFPEL) no qual ministra a disciplina O Design Autoral. Pesquisa temas ligados à autoria em design na pesquisa (Des)autoria, design e arte. Líder do Grupo de Pesquisa Linguagens, Metodologias e Teorias do Design. Coordenadora e editora da Revista Paralelo 31 (PPGAV/UFPEL)