Experiências com quadrinhos em sala de aula: aspectos sensíveis e contexto sociocultural

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Experiências com quadrinhos em sala de aula: aspectos sensíveis e contexto sociocultural

Fabrício Gerald Lima

Nádia da Cruz Senna

Larissa Patron Chaves

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As experiências descritas nesse trabalho foram realizadas dentro do projeto de pesquisa “Histórias em Quadrinhos para séries iniciais – Questões do sensível no contexto social-cultural infantil”, como monografia de conclusão para o curso de Especialização em Artes e Educação Estética da Universidade Federal de Pelotas. A proposta se constituiu na aplicação e desdobramentos de uma metodologia desenvolvida para o ensino e produção de histórias em quadrinhos, compreendendo a faixa etária dos estudantes das séries iniciais.

A metodologia, denominada "Boneco de pauzinho – Aventuras no mundo das Histórias em Quadrinhos", surgiu a partir de constatações anteriores a respeito das  dificuldades apresentadas pelas crianças em produzir histórias em quadrinhos, considerando o nível de expressão gráfica e a expectativa de reproduzir os modelos da indústria dos Quadrinhos. Essa circunstância acabava por frustrar as crianças, desestimulando o processo de aprendizado das noções básicas das histórias em quadrinhos que, por sua vez mostrava-se realmente complexo para a compreensão das crianças da forma como, geralmente é ensinado. Para resolver a questão de como ensinar a linguagem dos quadrinhos para as séries iniciais em aulas de artes, mudamos o foco, privilegiando o potencial criativo das crianças.

A fundamentação se deu a partir dos estudos de Analice Dutra Pillar, Rosa Iavelberg e Edith Derdik, que evidenciam os equívocos que se incorre ao tentar medir ou limitar o potencial gráfico das crianças de acordo com padrões estabelecidos por adultos e ressaltam a flexibilidade necessária aos arte-educadores para identificar o processo criativo das crianças, dentro das capacidades e características de sua própria faixa etária. Estas noções constituem o conceito do desenho cultivado , uma ressignificação da produção infantil em desenho espontâneo, considerando e evolução da linguagem gráfica na criança, a influência da cultura visual e o contexto em que ela se encontra. É um modelo educacional concebido pela escola renovada, com foco maior no processo compositivo do que no produto resultante; é o desenho compreendido como atividade expressiva, com a livre exploração de materiais e técnicas, permitindo o maior desenvolvimento do potencial criador. 

Na escola renovada ou ativa, o processo estimulava a imaginação e a criatividade; a liberdade era compreendida como qualidade livre de influências do meio. Este entrava como suporte significativo das experiências de vida do sujeito, principalmente na ordem de articulação entre o pensar, o sentir e o perceber, com forte valorização do plano expressivo e do desenvolvimento do potencial criador (IAVELBERG, 2006, p. 23).

A autora problematiza as metodologias de ensino, considerando o papel autoral do professor, sua capacidade em adaptar e propor estratégias adequadas ao nível de compreensão e manifestação gráfica de seus alunos. Essa fundamentação permitiu elaborar e testar métodos para ensino de quadrinhos que melhor se adaptassem ao nível de interpretação e expressão das crianças. Consideramos, ainda, os trabalhos de autores dedicados ao ensino dos quadrinhos e aspectos da cultura visual em sala de aula.

Figura 1: Página de Boneco de pauzinho realizada por aluna (9 anos) da escola pública

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Apresentamos uma breve descrição de como funciona o método "Boneco de pauzinho" e os conceitos que referenciaram a proposta.  A metodologia consiste na produção de uma HQ metalinguistica, onde o protagonista é um esboço primário denominado como “Boneco de Pauzinho”, que "nasce" dentro da HQ, com a consciência de que é um personagem de quadrinhos e com os conhecimentos sobre seu mundo adquiridos de forma gradual.  Os códigos da linguagem dos quadrinhos (balão, onomatopéias, metáforas visuais, personagens coadjuvantes, etc.) vão surgindo na medida em que são necessários fazendo avançar a narrativa. A HQ é construída de forma lúdica, estabelecendo a cumplicidade entre os alunos e o protagonista, já que o boneco de palito, também é uma criança aprendendo sobre Quadrinhos (Figura 1).

Para reforçar o aspecto lúdico, a narrativa é realizada ora em tons de fábula, ora como conto de humor, conforme escolha das crianças, também podendo contar com uma interpretação mais performática (variação de vozes, emprego de noções de teatro e inserção de elementos dos jogos de interpretação). 

A HQ tem um total de 10 páginas,  já dispostas em seis quadrinhos por folha, e distribuídas com essa grade já pronta para os alunos, com o propósito de agilizar o processo de produção. A página também vem com os textos respectivos a cada quadrinho já inseridos . O desenrolar da trama é narrado verbalmente pelo professor, com a parte visual desenvolvida no quadro branco e/ou negro ; embora o professor desenvolva a HQ no quadro, os alunos são estimulados a reproduzir a HQ a sua própria maneira, utilizando-se ou não do Boneco de pauzinho como referencial gráfico.

Os conteúdos abordados consistem em noções de representação visual de efeitos sonoros/onomatopéias; luz e sombra; perspectiva e compreensão de metalinguagem. Em cada aula, há a retomada breve do conteúdo da aula anterior, se valendo de princípios como os exercícios de tabuada em aulas de matemática e a própria natureza das HQs, muitas delas seriadas e com a necessidade de atualizar o leitor a cada capítulo.

 A segunda parte da prática de Boneco de pauzinho compreende a produção de uma HQ de autoria dos alunos. Dessa forma, é possível  avaliar o grau de assimilação da proposta anterior,  reconhecendo os pontos do conteúdo de maior assimilação e  analisando quais conceitos acarretaram maiores dificuldades, para assim, conceber melhores estratégias de aplicação.

A proposta contava originalmente, em sua primeira aplicação, com uma "terceira fase", onde se buscou ensinar os alunos a manufaturar sua própria revista em quadrinhos através do processo artesanal de fanzinagem; esse terceiro estágio acabou sendo abolido temporariamente, dada as dificuldades que as crianças das séries iniciais enfrentaram em construir o modelo do fanzine.

 A experiência  com “Boneco de pauzinho” constou como prática de ensino de Artes utilizando HQs, no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Quadrinhos e Arte : Questões pedagógicas e metodologia para séries iniciais do Ensino Fundamental. Também se desdobrou como oficina direcionada a 15 professores de Artes das séries iniciais da rede municipal de ensino de Pelotas, em uma iniciativa da Secretaria Municipal de Educação da cidade de Pelotas (SMED).  

Em nova pesquisa abordando a metodologia, a investigação se concentrou sobre aspectos de aprendizagem e aproveitamento considerando condições sócio-econômicas diferenciadas dos grupos participantes. Para tanto se conduziu a aplicação da metodologia em duas escolas, uma pública e outra particular (da periferia e da zona central da cidade de Pelotas, respectivamente) extremamente díspares em termos de recursos (pessoais e físicos) disponíveis para o ensino, e no contexto, de modo geral, no qual estão inseridos os dois grupos.

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As adaptações no método e as estratégias desenvolvidas consideraram o interesse por parte dos alunos e professores para com a proposta e os aspectos sócioculturais dos estudantes, independente dos recursos disponibilizados pelas escolas selecionadas. Para  construção de um modelo de análise e interpretação dos resultados, consideramos os estudiosos do desenho e da cultura visual, conforme vínhamos trabalhando, incluímos apreciações que consideram o contexto sensível da criança em sala de aula. Na perspectiva de autores como Marly Meira, Camilo Cardoso e Manuela Valsassina, reforçando o papel do educador e a sensibilidade que sua função lhe atribui, principamente no tocante à formação e contexto individual das crianças.

A experiência na escola pública

A  primeira aplicação da metodologia dentro da pesquisa da especialização, se deu com uma turma de segunda série, em uma escola pública de Ensino Fundamental situada em um bairro de periferia da cidade de Pelotas. A turma era composta de 22 estudantes ao todo, disposta em sua maioria de alunos negros e pardos, sob a responsabilidade de uma professora formada em Artes. O bairro está associado com os estigmas do crime e da violência (alguns alunos possuem parentes e responsáveis associados à prostituição e ao narcotráfico ). Esse fator merece destaque, pois decorre em episódios de agressividade por parte de algumas crianças, inclusive um protagonizado por dois alunos durante a prática. Também, o rendimento da proposta encontrou atrasos devido a constantes interrupções; referentes à merenda ou causadas por adiamentos em dias de chuvas . Cabe destacar que as condicionantes enfrentadas, são parte do cotidiano dos professores que atuam nas escolas da perifieria em nosso país. Assim, um educador deve estar preparado para contornar, flexibilizar e acolher, se quiser atingir seus propósitos.

Isso significa considerar que, quando os meninos e meninas chegam á escola, não têm apenas experiências que afetem suas construções cognitivas e que se refiram aos conteúdos das disciplinas e conhecimentos que lhe sejam apresentados em sala de aula. Os alunos são o resultado de contextos sócioculturais concretos e de épocas históricas que representam um determinado tipo de valores. Eles têm acesso à escola com uma identidade, uma biografia em construção, baseada em suas experiências de gênero, etnia e classe social e com uma série de noções sobre autoridade e o saber. Trazem consigo não apenas conhecimentos, mas construções da sociedade e de si mesmos, baseadas em suas experiências sócioculturais anteriores (HERNANDEZ, 2000, p. 141).

A postura da professora foi decisiva para o desenvolvimento da proposta, pois ela mantinha um equilíbrio delicado entre respeito, disciplina, afeto e profissionalismo, capaz de construir um ambiente escolar voltado para a reflexão através da Arte. Um diferencial importante foram as práticas de desenho desenvolvidas anteriormente, o que deixou os alunos mais aptos para o exercício, pois os mesmos tinham pouco ou nenhum contato com histórias em quadrinhos. A professora participou da proposta por questões de disciplina e empatia para com sua turma e também pelo  interesse de aumentar seus conhecimentos em práticas de artes em sala de aula .

Em função da dura realidade desses alunos, a narração lúdica de Boneco de pauzinho funcionou até certo ponto, sendo preciso adaptar para um tom mais cômico; mesmo o emprego do humor causou estranhezas, com as crianças desacostumadas com um professor que se faz valer de recursos mais lúdicos.

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O fator repetição da proposta (resgate do conteúdo anterior) mostrou-se necessário diante do desconhecimento geral sobre a linguagem dos Quadrinhos. Constatamos as dificuldades do grupo para compreender aspectos da sequencialidade da narrativa visual (Boneco de Pauzinho some na borda de um quadrinho para ressurgir na borda do quadrinho da página seguinte, por exempo). As crianças  concebiam cada quadrinho da página  como cenas isoladas, independentes.  

As sequências da proposta que englobam os conhecimentos referentes  a  luz e sombra, perspectiva e recursos visuais para expressões de sentimentos e sensações também se mostraram problemáticas. Percebemos incompreensões sobre questões de espaço e tempo no desenho, tais como: um rosto de personagem apenas sugerido era entendido como um erro, as crianças não conseguiam estabelecer uma abstração lúdica. É somente erro, em comparação com a realidade concreta que as cerca e que não lhes permite maiores devaneios.

Para Cardoso & Valsassina (1988), a criança como um ser sociável, deseja se comunicar e se fazer ouvir a respeito de seus problemas, conflitos e inibições; o desenho dessa criança é composto dentro de certas relações, lhe insere em um mundo que reflete o seu meio e suas vivências.

Vygotsky (1993), por sua vez, compreende o sujeito como ser social e interativo, ou seja, para ele, a criança, inserida num grupo social, constrói seu conhecimento com a ajuda do adulto e de seus pares, que assumem o papel de mediadores de conhecimentos e de experiências. O autor considera que a aprendizagem ocorre a partir de um intenso processo de interação social, por meio do qual o sujeito vai internalizando conhecimentos apropriados e experiências culturais. Nesse sentido, as experiências vivenciadas com outras pessoas também vão possibilitar a reinvenção individual do que foi internalizado e apropriado (MEIRA, 2010, p. 16).

A participação da professora e seu conhecimento sobre Quadrinhos foram fundamentais para contornar esses dilemas, traduzindo os elementos compositivos das HQs  para o  contexto particular das crianças. Por sua sugestão, inserimos um personagem coadjuvante para interagir com o protagonista (na segunda etapa da prática). Também optamos pela oferta de páginas em branco (sem requadros e textos) com o propósito de averiguar quais resultados surgiriam em termos de diagramação e narrativa.

Ao planejar nossas aulas, é necessário ter flexibilidade sempre, pois problemas levantados e questões expostas pelos estudantes podem modificar a trajetória daquilo que já estava traçado. É preciso ter coragem, disponibilidade, autenticidade e perspicácia para abrir novos espaços sem perder de vista a essência proposta do objeto a ser estudado. Mais do que isso, devemos estar dispostos a criar vínculos afetivos que nos auxiliarão nos processos de “ensinar e aprender”. Quando o professor é aberto a vida e receptivo as novas experiências, quando é capaz de diferenciar-se e reintegrar-se, de amadurecer e crescer, terá condições para criar e amar, possibilitando esses mesmos sentimentos aos estudantes (MEIRA, 2010, p. 29).

Essa estratégia desencadeou resultados interessantes, constituindo o ponto alto da experiência na escola pública: houve exemplos de alunos que buscaram reproduzir a mesma diagramação de página utilizada na proposta anterior, com o diferencial de se valerem de mais quadros por página; outros alunos optaram por utilizar variações no formato dos quadrinhos na página; houve também HQs  com as páginas dispostas na horizontal em oposição ao tradicional padrão vertical e HQs que não se utilizavam do tamanho total da página.

Figura 2: Página realizada por aluna (09 anos) da escola pública diagnosticada com retardo mental.

Figura 3: Trabalho de David Mack para a revista Daredevil (Demolidor) da Marvel Comics. Disponível em: henryjenkins.org/2013/05 .

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Entretanto, a diagramação mais criativa (Figura 2) foi a de uma aluna que não tinha sido efetivamente alfabetizada; apresentava déficit de atenção e dificuldades de compreensão e interpretação; como tinha sido transferida de escola, entrou no grupo apesar de ter perdido as aulas iniciais, exigindo uma atenção especial. O resultado final de sua HQ mostrou uma diagramação em narrativa fragmentada; inserção de cores e tentativas de estabelecer uma sequência numérica para dar sentido a trama, alcançando um efeito caleidoscópico. O resultado lembra o trabalho de profissionais dos quadrinhos (Figura 3), que se fazem valer de elementos de colagem e do desenho infantil para conferir ludicidade e interatividade as suas narrativas .

O trabalho da menina na oficina de quadrinhos constitui um exemplo de superação de um estereótipo limitador. Comprova o quanto a flexibilidade e a dedicação são essenciais no processo de ensino voltado para as crianças. Mesmo as consideradas deficitárias, podem produzir, assimilar conteúdos e se expressarem, se os profissionais considerarem em suas práticas o contexto sociocultural, o desenvolvimento cognitivo de seus alunos e o papel instigante e transformador da arte.

A experiência na escola particular

A aplicação da metodologia na escola particular se deu pouco após o início da prática na escola pública, acabando por alcançar o mesmo estágio, dados os atrasos frequentes na escola pública e o desenvolvimento mais progressivo demonstrado pelos alunos da escola particular . A turma de segunda série, contava com 30 estudantes, constituída basicamente por alunos de etnia branca, com a exceção de uns poucos alunos de ascendência árabe e/ou palestina. A prática do “Boneco de pauzinho” se deu através de convite, efetuado pela professora titular da turma, formada em pedagogia e atuando com Educação Infantil nessa escola há 20 anos. A professora relatou que ao assumir turmas da segunda série, procurou práticas articuladas com as Artes, com intuito de estimular os processos criativos e reflexivos das crianças. Uma de suas estratégias consiste em trazer arte-educadores e artistas para a sala de aula, favorecendo as propostas lúdicas e interdisciplinares.

Pensar em infância é, sobretudo, reconhecer a importância da experiência criadora para seu desenvolvimento biopsicossocial. O brinquedo e o jogo encontram continuidade nas artes, pois redefinem de forma criativa o sentido e a experiência do ser humano. Manifestar-se por meio da expressão artística representa para a criança ter prazer no aprender, o que amplia suas capacidades de criar, de produzir e de materializar suas vontades. Ajuda a compreender a si mesma, aos outros, às obras sociais e à própria pedagogia como parte de um ritmo constante em suas construções cognitivas e sensíveis (MEIRA, 2010, p. 16).

As crianças da escola particular possuíam um contato maior com a linguagem dos quadrinhos e com linguagens similares, nas quais os personagens e elementos dos quadrinhos estão presentes. Uma lista enorme que incluí brinquedos, desenhos animados para televisão e cinema, jogos analógicos e digitais e, toda sorte de produtos que a indústria cultural oferece para o consumo. 

Essa realidade diferenciada proporcionou uma compreensão facilitada do conteúdo, uma vez que, os alunos reconheciam de antemão muitos dos elementos compositivos dos quadrinhos. A opção por não realizar o processo de fanzinagem também se deu neste caso; embora os custos em torno do processo não fossem um problema, ainda valia a problemática do processo de confecção em si, dada a faixa etária das crianças.

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Das novas estratégias criadas para as crianças da escola publica, mantivemos o personagem coadjuvante, com liberdade de criação, porém oferecemos páginas previamente diagramadas. Esse fator limitador constituiu um desafio, exigindo criatividade e maior capacidade de abstração para conferir dinamismo a narrativa.

Figura 4: Detalhe da prática no quadro negro em sala de aula da escola particular.

Figura 5: Boneca de pauzinho criada por aluna (7 anos) da escola particular. Personagem feminina, decidida e questionadora.

Figura 6: Narrativa visual para Boneco de pauzinho realizada por aluno (8 anos) da escola particular.

Figuras 4 a 6 (Galeria)

A participação da professora titular também foi essencial para o processo; providenciou materiais e sugeriu um formato que veio a substituir  a idéia de fanzinagem como capas para conter as HQs em papel cartão (formato A3 com dobradura no meio). Sua colaboração também se deu em termos de registros visuais das atividades, obtendo a devida autorização dos pais e responsáveis para realizar fotografias da aula expositiva (Figura 4) e da  produção dos aluno

Notamos um diferencial na produção, embora as crianças tenham criado HQs ricas em imaginação, não houve um investimento nos seus estilos pessoais, identificamos tentativas de reproduzir (o mais fielmente possível) o estilo demonstrado no quadro pelo professor. Creditamos esse fator aos hábitos disciplinados dos alunos, uma influência da própria instituição. Nas exceções produzidas, comparece o “Boneco de pauzinho” como personagen autoral; ou baseado em personagens consagrados como Wolverine . O destaque fica por conta da produção das meninas, que criaram versões femininas; suas “Bonecas de pauzinho” são mais atuantes e inovadoras (Figura 5) dos que as produzidas pelas meninas da escola pública.

As crianças também criaram capas diferenciadas com preocupações referentes aos títulos, temas, personagens e disposição dos elementos de cena, bem ao estilo das publicações existentes nas bancas; algumas crianças transformaram suas capas em narrativas de HQ, com quadros em seqüência.

Considerações

Quando da primeira experimentação do método “Boneco de pauzinho” em uma escola, a abordagem original da narrativa se dava num tom de conto de fadas; uma estratégia que fez sentido, pois as crianças em questão, eram sensíveis ao aspecto lúdico de uma proposta em  Artes. A oficina oferecida na escola pública, demonstrou que nem sempre a mesma abordagem se mostra eficaz, dado o diferencial dos contextos sociais, econômicos, culturais e das capacidades cognitivas do grupo.  Percebemos que crianças expostas a uma realidade mais dura, “embrutecida”, não se deixam levar facilmente para o mundo do sonho e da fantasia, há um receio em se sentirem por demais frustradas com o contraste entre o devaneio e a privação. Essa condição faz com que  essas crianças tenham suas capacidades de abstração e criação reduzidas, criando um círculo vicioso, como não são afeitas a essas práticas mais lúdicas, acabam por serem pouco estimuladas e vai diminuindo o espaço do sensível em suas vidinhas já calejadas. Para contornar tais dificuldades, introduzimos o humor, embasados na própria atitude crítica dos alunos, o que nos permitiu acessar sensibilidades para o aprendizado.

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O humor também foi utilizado (até em maior escala) na experimentação com os alunos da escola particular. A familiaridade dos estudantes com as linguagens de HQs, cinema e desenhos animados, foi um facilitador para a compreensão dos elementos lúdicos necessários para criação de uma HQ.

A pesquisa conduzida aponta para a necessidade de abordagens diferenciadas e flexíveis, para acompanhar os anseios da turma; as estratégias podem se apoiar no humor, na fantasia, na aventura ou no cotidiano, devendo estabelecer uma sintonia com o universo cultural e cognitivo do grupo.

E, mesmo seguindo de perto essa linha de ação, muitas vezes nos deparamos com limitações, encontradas inclusive, em ambientes de ensino capacitados e com disponibilidade de recursos. Percebemos a cobrança em termos de “sucesso” individual para com as crianças da escola particular; essa vigilância e expectativa exagerada acabam por inibir a participação em um processo inovador de criação, que implica em correr riscos e cometer erros, o que assusta e desmotiva as crianças. 

Destacamos a contribuição das professoras titulares das turmas nos resultados positivos alcançados em ambas as escolas, sendo sensíveis e abertas a novas possibilidades de aprender, experimentar linguagens artísticas, se empenhando para que o aproveitamento de seus alunos fosse pleno e significativo.

A validade do método em termos de ensino e aprendizagem se pauta na superação de barreiras estéticas; meta alcançada em função da exploração do caráter lúdico inerente a arte e a cultura visual contemporânea, como estratégia didática. “Boneco de pauzinho” funciona porque liberta e estimula o desenho, simplificando formas para dar lugar à expressão, possibilitando a criação de Histórias em Quadrinhos. As estratégias utilizadas estimulam a interatividade, uma prática que se adapta e se desenvolve de acordo com as circunstâncias do grupo participante.

Encontra-se em desenvolvimento uma nova pesquisa, junto ao mestrado em Artes Visuais da UFPel, derivada das práticas experimentadas, incluindo mais uma:  Aventuras da Super-Princesa e do Rei Porrada, que estuda questões de identidade, estereótipos de gênero e aspectos lúdicos da didática, refletindo sobre o papel do professor propositor, que é artista, produtor e pesquisador.

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Referências

CARDOSO, Camilo; VALSASSINA, M. Manuela. Arte infantil – Linguagem plástica. Lisboa: Presença, 1988.

DERDIK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. Porto Alegre, RS: Zouk, 2010.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

IAVELBERG, Rosa. O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores. Porto Alegre, RS: Zouk, 2008. (Coleção Similis)

LOWENFELD, Viktor. A criança e sua arte. São Paulo: Mestre Jou,1977.

MEIRA, Marly Ribeiro; PILLOTTO, Silvia. Arte, afeto e educação: a sensibilidade na ação pedagógica. Porto Alegre: Mediação, 2010.

PILLAR, Analice Dutra. Desenho e escrita como sistemas de representação. 2.ed. Porto Alegre: Penso, 2012.

VERGUEIRO, Valdomiro (org.). Como usar as Histórias em Quadrinhos em sala de aula. 3 ed.  São Paulo: Contexto, 2006.

VERGUEIRO, Valdomiro; RAMOS, Paulo. Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009.

Fabricio GERALD Lima – professor formado pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais, Especialista em Ensino de Artes pelo Centro de Artes da UFPel. Professor substituto de Artes Visuais no Instituto Federal Sul-Riograndense (IFSul) – Campus Pelotas. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais no Centro de Artes da UFPel, com pesquisa, ensino e produção de Histórias em Quadrinhos e Bolsista FAPERGS.

Nádia da Cruz Senna - Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2008), mestre em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (1999), especialista em arte-educação (1991) e bacharel em Pintura (1989) pela Universidade Federal de Pelotas, graduada em Engenharia Civil pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (1984). Atualmente é professora adjunta do Centro de Artes, da Universidade Federal de Pelotas, atuando junto aos cursos de graduação e mestrado em artes visuais. Participa dos Grupos de Pesquisa Caixa de Pandora: mulheres artistas e pesquisadoras e Percursos Poéticos e Grafias na Contemporaneidade. Coordena o Projeto Arte na Escola - Pólo Pelotas.

Larissa Patron Chaves – professora Adjunta do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas. Graduada em Artes Visuais pela UFPel (1995), Mestra em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Su (2002), e Doutora em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2008). Tem experiência na área de Arte e História, com ênfase em Teoria, História e Crítica de Arte e Metodologia da Pesquisa. Atualmente é coordenadora adjunta do Mestrado em História no Instituto de Ciências Humanas da UFPel.